Título: Gilbertinho, o grilo falante da presidente Dilma Rousseff
Autor: Damé, Luiza;
Fonte: O Globo, 14/08/2011, O País, p. 12

Embora sem a liberdade que tinha com Lula, ministro ganha mais visibilidade

NA ATUAL fase de seguidas crises, Gilberto vem ganhando destaque como o bombeiro do governo, sendo o interlocutor da presidente junto a partidos, movimentos sindicais e bancadas religiosas. Além disso, tem liberdade de alertar Dilma quando ela é mais ríspida com outros ministros ou auxiliares

Até dezembro passado, ele entrava quando queria no principal gabinete do Palácio do Planalto e tinha a liberdade de chamar o presidente pelo nome. Nos oito anos do primeiro governo petista, como chefe de Gabinete, Gilberto Carvalho ouvia Lula esbravejar, gritar e xingar, inclusive palavrões impublicáveis. Era também o companheiro que dividia com o ex-presidente as angústias e a cachaça nos momentos difíceis, como ele mesmo já contou algumas vezes. Com Dilma Rousseff, o petista fundador tem uma relação mais formal, sem a liberdade de antes. Mas a presidente o chama carinhosamente de "Gilbertinho" - aprendeu com Lula, que só o trata assim há mais de 30 anos. Gilberto ganhou mais visibilidade política, tendo atuado como bombeiro em todas as crises vividas por Dilma até agora, inclusive na interlocução com os partidos.

No governo Lula, Gilberto trabalhava para dentro. Agora, como secretário-geral da Presidência, recebeu de Dilma a tarefa de ser o "grilo falante" do governo, fazendo chegar a ela as reivindicações e posições dos movimentos sociais. Rapidamente ganhou também esse perfil mais político, com atuação mais para fora. E tem agradado tanto a Dilma quanto aos políticos. Pelos sindicalistas é visto como aliado.

O ministro faz parte da coordenação de governo - grupo integrado pela presidente, pelo vice Michel Temer e por alguns ministros, que se reúne normalmente na segunda-feira, para definir a estratégia palaciana em todas as frentes. Integra ainda a equipe restrita que diariamente participa do briefing matinal com ela, para avaliação do noticiário. Também integram esse grupo as ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Helena Chagas (Secretaria de Comunicação Social), além do chefe de Gabinete da Presidência, Giles Azevedo.

Depois da reunião matinal, Gilberto costuma voltar mais de uma vez ao gabinete presidencial, chamado por Dilma. Participou, por exemplo, da reunião de Dilma com Ideli, Gleisi e Helena que avaliou o impacto das polêmicas declarações do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim e selou o seu destino. Mesmo sem muita intimidade com a presidente, dentro de uma relação construída ao longo do governo Lula, Gilberto tem a liberdade de alertar Dilma quando ela é mais ríspida com outros ministros ou auxiliares. E a presidente costuma ouvi-lo.

- O Gilberto é uma figura respeitada no PT e no governo porque é ponderado, não é de extremos. Ele tem ouvidos para todas as queixas e nunca vem com assertivas. É uma pessoa aberta ao que os outros falam - diz o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Embora tenha convivido bastante com Dilma no governo passado, Gilberto preferia ter ido embora junto com Lula. Depois da eleição, disse que não gostaria de continuar no governo, para que sua irmã Márcia Lopes ficasse no Ministério do Desenvolvimento Social.

Acabou cedendo ao convite da presidente. No discurso de posse na Secretaria Geral, como que estabelecendo ali o que era até então no governo, disse que seria capaz de morrer por Lula. Desde o início, e a cada dia mais, Gilberto é reconhecidamente "a cara de Lula" no Planalto.

Saiu do terceiro andar, onde ficava numa sala ao lado do gabinete presidencial, e viu as responsabilidades da Secretaria Geral aumentarem. Além da interlocução com os movimentos sociais, a Secretaria Geral passou a cuidar da administração do Planalto, função que antes era da Casa Civil.

- No governo da presidente Dilma, o papel do Gilberto é diferente. A presidente está satisfeita com ele. O Gilberto tem mais espaço agora não porque se meta nas coisas, mas porque é convidado - diz Vaccarezza.

Paranaense de Londrina, mas fincado em São Paulo há décadas, Gilberto é formado em Filosofia e ligado à Igreja Católica. Na campanha de Dilma, em 2010, ele fez a ponte entre a candidata e os movimentos religiosos, contribuindo para amenizar o discurso petista a favor da liberação do aborto e do casamento homossexual - temas que se transformaram na maior polêmica da reta final da campanha.

No governo, já recebeu da presidente outras incumbências nessa área. Na crise da bancada religiosa com o Planalto por causa do polêmico kit anti-homofobia, foi Gilberto quem recebeu deputados que ameaçavam apoiar propostas contra o governo se a distribuição do material nas escolas não fosse suspensa. Respaldado por Dilma, Gilberto anunciou que a distribuição de vídeos e cartilhas sobre costumes seria suspensa, acalmando os parlamentares.

Na Secretaria Geral, a principal proposta do ministro é criar o Sistema Nacional de Participação Social. Nessa linha, criou a mesa permanente de negociação com as seis centrais sindicais, com as quais se reúne periodicamente para debater temas como condições de trabalho na construção civil, reforma tributária, redução da jornada de trabalho e fim do fator previdenciário, geralmente envolvendo outros ministros.

Com a intermediação dele, chegaram ao Planalto os movimentos de luta pela moradia e o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), que foi recebido pela presidente. Os movimentos sociais veem o ministro como um aliado no governo.

- A nossa relação é ótima. Ele é um bom canal de acesso ao governo - disse o presidente da CUT, Artur Henrique.

- É nosso aliado. É por onde entramos no governo - completou o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva.

Com seu jeitinho manso e perfil de conciliador, Gilberto Carvalho se viu na linha de frente dos escândalos que derrubaram Antonio Palocci (Casa Civil) e Alfredo Nascimento (Transportes), e da demissão de Nelson Jobim (Defesa), que saiu porque falou demais.

Em meio à série de denúncias sobre a evolução patrimonial de Palocci, Gilberto mostrou a cara e defendeu o colega. Mais de uma vez disse que Palocci tinha dado as explicações devidas aos órgãos de controle e fiscalização, além de afirmar que ele não havia cometido qualquer irregularidade no exercício do cargo.

Na crise dos Transportes, Dilma o escalou para conversar com Luiz Antonio Pagot, o presidente demitido do Dnit que fazia ameaças veladas contra o governo e contra petistas. Gilberto foi a público afirmar que não havia qualquer denúncia concreta contra Pagot. Até contrariou outros colegas de Esplanada, mas conquistou a simpatia de Pagot, que saiu sem produzir maiores estragos.

Mais recentemente, correu para acalmar Dilma quando pipocaram as polêmicas declarações de Jobim, envolvendo a própria presidente, Gleisi (sobre quem disse que nem conhece Brasília) e Ideli ("é fraquinha"). "Deixa eu correr para o Alvorada porque o Jobim vai ser demitido", disse ao sair do Planalto.

Gilberto tem hábitos simples. Às vezes, toma café da manhã em um shopping popular de Brasília, almoça no restaurante dos servidores do Planalto e vai pessoalmente ao caixa eletrônico do Banco do Brasil no Planalto pagar suas contas. Para ter a experiência de viver como os pobres, morou na favela e trabalhou como soldador de 1975 a 1984, em fábricas de Curitiba e do ABC paulista. Tem cinco filhos: Myriam, Samuel e Gabriel, do primeiro casamento, e duas meninas adotadas em 2009.

É um dos fundadores do PT e já exerceu vários cargos de direção no partido. Em 2009 chegou a ser cogitado para presidir a legenda, mas Lula não o liberou.

- Gilberto é uma pessoa ponderada. Acima de tudo é um petista e chegou a ser cogitado para presidir o partido. No governo da presidente Dilma, está desenvolvendo um bom trabalho - afirma o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), amigo do ministro e de Lula.

Em 2002, era homem forte da Prefeitura de Santo André, quando o prefeito petista Celso Daniel foi sequestrado e assassinado. Já no governo Lula, os irmãos do prefeito assassinado Bruno José Daniel Filho e João Francisco Daniel disseram à CPI dos Bingos que Gilberto entregava o dinheiro extorquido de empresas de ônibus da cidade para o então presidente do PT, José Dirceu (SP). Ele foi à CPI e negou a acusação.