Título: Superpolicial põe Cameron contra a polícia
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Fonte: O Globo, 15/08/2011, O Mundo, p. 24

Americano é contratado como conselheiro da Scotland Yard; Justiça britânica opta pelo rigor e processa 810 só em Londres

ÔNIBUS VOLTAM a circular em Tottenham: tráfego foi reaberto pela primeira vez no sábado após os violentos distúrbios sociais no Reino Unido

HOMENS CONVERSAM em frente a lojas ainda fechadas por tapumes

MANIFESTANTES EM Birmingham pedem o fim da violência no país

LONDRES. A cidade de Birmingham sediou ontem uma marcha de milhares de pessoas em um protesto ecumênico pelo fim da violência em um Reino Unido ainda chocado pelos distúrbios urbanos da semana passada. Com a calma restaurada nas ruas, os britânicos assistem agora a uma batalha mais dura ¿ entre o primeiro-ministro David Cameron e a polícia. Demonstrando firmeza, o premier reiterou, em entrevista ao diário ¿Sunday Telegraph¿, suas promessas de ¿tolerância zero contra a violência¿ e anunciou a contratação do americano Bill Bratton para prestar consultoria à Scotland Yard, despertando a fúria da já criticada corporação britânica.

¿ Vou falar mais sobre isso porque é verdade. Não usamos o suficiente a linguagem da tolerância zero, mas agora estão começando a nos escutar ¿ afirmou Cameron.

Lotados, tribunais abriram em domingo de caos

Bratton ¿ o lendário ex-chefe de polícia de Nova York, Boston e Los Angeles, um dos responsáveis pela bem-sucedida campanha que reduziu a criminalidade de Nova York nos anos 90 ¿ já vem sendo chamado jocosamente pela imprensa britânica de ¿o superpolicial¿. As reações explicitamente negativas à contratação causaram embaraço.

¿ Não sei se vou querer aprender a lidar com gangues me baseando em uma região dos Estados Unidos na qual há 400 grupos causando estragos. Se há em um lugar 400 grupos em atividade, quer dizer que seu trabalho não é muito eficaz ¿ desdenhou o chefe do corpo de oficiais da polícia, Hugh Orde.

Sem hesitar em alfinetar o premier, Chris Sims, chefe da Polícia de West Midlands, disse que não adotará slogans ¿vazios como o de tolerância zero¿. A Federação de Polícia londrina também reagiu mal:

¿ Embora (Bratton) tenha um currículo brilhante nos EUA, o estilo da polícia é diferente do nosso ¿ ponderou o vice-presidente da entidade, Jon Tully.

Enquanto cresciam as divergências entre Cameron e os policiais, o Judiciário tentava cumprir ¿ com rigor ¿ as promessas de punir todos os envolvidos nas arruaças da semana passada. Em várias cidades, os tribunais funcionaram extraordinariamente no domingo para ouvir os milhares de detidos transformados em réus nos últimos dias. Advogados entravam e saíam, provocando atrasos, confusão e muitas reclamações.

¿ Eu não sei como terminamos neste estado de tamanha precariedade ¿ desabafou a juíza Susan Williamson, da Corte de Magistrados (o tribunal de primeira instância) de Westminster, onde mais de 60 audiências foram marcadas.

Sentenças como a de uma jovem de 24 anos, mãe de dois filhos, condenada a seis meses de cadeia por roubar um par de sapatos dividiram opiniões ¿ e serviram de munição à oposição ao governo do Partido Conservador.

Outro caso controverso envolveu uma jovem de origem nigeriana, de 22 anos, em Croydon, no sul de Londres. Acostumada a muitas trocas de roupas e acessórios, a modelo Shonola Smith apareceu ontem diante do tribunal usando um figurino nada convencional à sua rotina: um uniforme de penitenciária. A jovem britânica chorou ao ouvir a sentença de seis meses de detenção por roubo. Junto com a irmã, Alicia, e uma amiga de infância, Donness Bissessar, a top model admitiu roubar uma loja de conveniências. As três carregavam seis caixas de chicletes quando foram detidas na última segunda-feira. E cumprirão a mesma pena.

¿ A tragédia é que vocês todas têm bons antecedentes e boa educação ¿ afirmou, implacável, o juiz Robert Hunter.

Ministra quer identidades de menores revelada

A ministra britânica do Interior, Theresa May, defendeu a reação dura da polícia e da Justiça ao caos e disse ter pedido à Procuradoria-Geral para avaliar a hipótese de cassar o anonimato de infratores menores de idade, assegurado por lei, quando o crime for de interesse público.

¿ Eles (o público) queriam ver mais polícia nas ruas, mas também ações duras. É exatamente o que a polícia começou a fazer ¿ declarou a ministra.

O número de presos em todo país já passa de dois mil. Em cidades como Birmingham, a polícia ainda caça outros envolvidos em saques e quebra-quebras ¿ com a ajuda da tecnologia. Uma van equipada com uma enorme tela de plasma foi posicionada no centro da cidade exibindo imagens dos distúrbios e dos detidos, numa tentativa de facilitar a identificação dos criminosos com a colaboração dos cidadãos.

Segundo a Scotland Yard, uma equipe de 125 agentes, em Londres, está encarregada de assistir às mais de 20 mil horas de gravações das câmeras de segurança. Somente na capital, de acordo com um relatório divulgado ontem pela polícia, 1.414 pessoas foram detidas e 810, processadas. A expectativa é a de que, em todo o país, esse número chegue a pelo menos três mil.