Título: Downgrade também para a TI?
Autor: Machado, André
Fonte: O Globo, 15/08/2011, Economia, p. 17

Para especialistas, com crise nos EUA, setor de tecnologia terá menos recursos para investir

CONSUMIDORES AGUARDAM para entrar na loja da Apple em Munique: apesar do clima instável, setor de TI teve alento com a empresa, que se tornou a mais valiosa do mundo

PARA KARIN, tecnologia se fortalece por estar no coração das empresas. Carlos Affonso alerta para risco de supervalorização e nova bolha

amachado@oglobo.com.br

Com o rebaixamento da classificação de crédito dos Estados Unidos pela agência Standard & Poor¿s (S&P), ficou no ar a pergunta: a crise vai afetar as empresas de TI? Na semana passada, a Nasdaq, bolsa das empresas de tecnologia, chegou a cair 6,9%, mas se recuperou, fechando a semana com queda acumulada de 0,96%. Artigos prevendo o pior já apareceram em sites especializados nos EUA. A Zdnet citou uma pesquisa da consultoria Mirae Asset, de Hong Kong, indicando que os níveis de estoque de empresas ligadas à tecnologia já estavam maiores que em 2010, mesmo antes do rebaixamento. ¿Já vivemos esse cenário. Os mercados despencam. As ações das empresas os seguem. As empresas se tornam mais cautelosas. Gastos e investimentos são refreados. A economia se recupera. E o ciclo se repete...¿.

Já a BNet apontou que, com os fundos de investimento e grupos de capital de risco nervosos por causa do mercado, ficará difícil para companhias novatas (startups) obter dinheiro suficiente para levar adiante suas operações e pensar em ofertas públicas iniciais de ações (IPOs). E, se as empresas de grande porte ¿ como Apple, Google, Microsoft e IBM ¿ têm o suficiente em caixa para fazer frente ao mau humor dos mercados, elas também perdem na hora de abiscoitar recursos governamentais para projetos de pesquisa e inovação.

Enquanto isso, a consultoria Gartner já avisou que na Europa as vendas de celulares e smartphones devem cair este ano ¿ 12% em comparação com a alta de 31% em 2010.

Mas nem todo mundo está pessimista. Stacy Smith, vice-presidente financeiro mundial da Intel, afirmou que o segredo para a sobrevivência das empresas de tecnologia não está necessariamente nos EUA, mas nos mercados emergentes.

¿ São os consumidores em economias que vivem expansão, como a China e o Brasil, que respondem hoje por metade das vendas da Intel ¿ lembrou Smith à Reuters.

Para Karin Breitman, professora do Departamento de Informática da PUC-Rio, é cedo para dizer se a crise afetará o setor, mas ela está otimista.

¿ Na quarta-feira passada, na dança dos mercados, a Apple passou a Exxon durante o dia e se tornou a empresa mais valiosa do mundo no fechamento das bolsas ¿ lembra. ¿ Mas a questão principal é que a tecnologia, hoje, é a base de qualquer indústria. Ela está combinada com o negócio principal de qualquer empresa, o chamado core business. Por isso, acredito que fica numa posição mais sólida frente a esses ciclos.

De acordo com Bruno Magrani, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas, lá fora é provável que os investimentos para IPOs sofram retração, porque os fundos certamente vão esperar um mercado mais estável para fazer suas escolhas. Por outro lado, os mercados emergentes, como o Brasil, podem se beneficiar do quadro na seara tecnológica com mais investimentos.

¿ A política econômica brasileira, com mercado interno forte, dá mais confiança aos investidores em TI. O Facebook já abriu escritório em São Paulo, a Netflix anunciou que aportará por aqui no fim do ano... ¿ lembra Magrani. ¿ Sim, o FED (banco central americano) anunciou que manterá os juros em 0,25% pelos próximos dois anos, medida para atrair investidores. Embora com os juros altos daqui (12, 5%) o crédito custe mais caro, a chance de crescimento é maior.

Outros especialistas lembram a natureza especulativa da crise. Para Rodrigo Afonso, diretor de TI da consultoria qx3, focada em sistemas para o mercado financeiro, sob tal ótica, as próprias agências de classificação de risco despontam como responsáveis.

`Rebaixamento tem visão política¿

¿ E o que mais preocupa é quando estas agências, que detêm uma certa forma de controle dos fluxos de capitais mundiais, começam a ter avaliações políticas sobre como um país conduz seu endividamento ¿ afirma Rodrigo. ¿ É claro para muitos que o rebaixamento da divida americana não tem uma visão técnica e sim política. Uma forma de pressão para que a Casa Branca tome medidas para garantir um futuro que a própria S&P vê como a melhor saída da crise atual. Crise essa criada por eles mesmos como o combustível que alimentou por anos a febre das hipotecas e seus produtos financeiros derivados.

Segundo ele, é preciso repensar valores e a importância das empresas de rating , que, no fim das contas, agem indiretamente como definidores de políticas internacionais.

¿ Pôr a decisão sobre investimentos sociais e financeiros nas mãos de avaliações de empresas que só visam a maximizar os lucros de investidores é algo que já vimos antes, e sabemos muito bem quem sofre com isso. Não são os 1% mais ricos do mundo e sim os 99% restantes.