Título: Roberta, em Nova Iguaçu, ensina Libras para alunos ouvintes
Autor: Otavio, Chico; Rodrigues, Karine
Fonte: O Globo, 15/08/2011, O País, p. 4

Método põe o tema da inclusão em debate e promove a harmonia

ROBERTA DUTRA apostou em uma forma inusitada de abordar a inclusão, motivar os alunos e reduzir a indisciplina em sala de aula

Três alunos da Escola Municipal Professora Edna Umbelina de Sant'anna, em Nova Iguaçu, acabam de fazer uma apresentação diante dos colegas de sala. O trio é aplaudido, mas, curiosamente, ninguém ouve som de palmas. É que ali, todos os dias, por dez minutos, o gesto de elogio é expressado de uma forma diferente: não há batida, apenas um agitar de mãos, posicionadas acima da cabeça.

Embora seja uma turma de 5º ano de uma escola de ensino regular, e nenhum aluno tenha dificuldade de audição, o grupo está aprendendo a Língua Brasileira de Sinais (Libras), principal forma de comunicação de pessoas com surdez.

À primeira vista, a iniciativa pode causar estranhamento, mas basta acompanhar uma aula para constatar que a novidade prende a atenção da turma, de cerca de 30 alunos.

¿ Comecei a ensinar Libras para despertar nos alunos a valorização pela diferença em sala de aula. São apenas dez minutos por dia, mas têm feito diferença ¿ diz a professora Roberta Dutra, 35 anos, formada em Letras com pós-graduação em Educação Inclusiva.

Após concluir um curso de Libras, em 2007, ela pensou que poderia ser interessante usar a língua de sinais para introduzir o tema da inclusão e reduzir a dispersão dos alunos.

¿ A Libras suscita a sensibilidade e a solidariedade, pois faz despertar para a história de vida do outro. E melhora a concentração, já que os sinais são muito parecidos. Imaginei que isso poderia ajudar contra a indisciplina ¿ conta ela.

O ciclo do respeito que nasce em sala de aula

Engana-se quem pensa que o projeto ensina só o alfabeto. Roberta, que dá aula há 16 anos, explora outros conteúdos, como verbos. Para apresentá-los, lança mão de formas lúdicas e atrativas, investindo em jogos da memória, quebra-cabeças e desenhos, que nascem das mãos dedicadas da educadora, com participação dos alunos. E usa ainda DVDs e CDs do Instituto Nacional de Surdos (Ines).

Segundo Lúcia Helena Cardoso, diretora da escola, que tem 690 alunos, da educação infantil ao 5º ano do ensino fundamental, houve melhoria no comportamento dos alunos.

¿ É um ciclo: se você respeita na classe, você respeita no refeitório, na rua, em casa.

Que o diga Sara da Silva do Rosário, 10 anos. Ela entrou na Edna Umbelina no 1º ano, mas ainda sente saudade de Macaé, onde morava. Ressalta, porém, que prefere a professora atual.

¿ Ela não grita com a gente, não bate na mesa -¿ justifica.

Divididos em grupos, os alunos explicam o que já aprenderam. Diante de dezenas de cartas onde vislumbro apenas sinais do alfabeto, Emanuel Pereira, 11 anos, esclarece:

¿ Aqui há vários exemplos de configuração de mãos ¿ ensina, mostrando sinais que expressam ações e sentimentos.

A diretora desconhece se o projeto ajudou a melhorar os indicadores da escola ¿ o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para as séries iniciais subiu de 4,1 (em 2007) para 4,9 (em 2009), valor maior do que o encontrado para o Brasil, o Rio e Nova Iguaçu ¿, mas garante:

¿ Tentamos contagiar a todos. Fizemos até um curso de Libras na escola, ofertado também para zeladores e funcionários da cozinha e da portaria.

Embora saiba quão difícil pode ser promover a inclusão em sala de aula, Roberta diz:

¿ Não dá para só lamentar. É impossível levar adiante se não tentarmos mudar a situação.

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