Título: Grupo comprava ONGs para receber verbas
Autor: Fabrini, Fábio
Fonte: O Globo, 15/08/2011, O País, p. 3
Esquema fraudava estatuto de empresas existentes e comprovantes de pagamento
BRASÍLIA. Para receber recursos públicos, o grupo acusado de desviar verbas do Ministério do Turismo comprava organizações não governamentais (ONGs) e aproveitava no esquema empresas já existentes, moldando os estatutos sociais conforme sua conveniência. As investigações da Polícia Federal revelaram que Dalmo Antônio Tavares Queiroz, sócio da Barbalho Reis e diretor de licitações da Universa, entidade que tem vínculo com a Universidade Católica de Brasília, negociou um CNPJ com o empresário Hugo Leonardo da Silva Gomes, da Sinc Recursos Humanos.
As apurações da PF mostram que, nos convênios com o governo federal, a organização fraudou de comprovantes de pagamento por serviços a listas de presença em cursos de capacitação que não ocorreram.
"Vamos tocar o instituto, a gente tem que negociar com o cara... você lembra que você ficou de negociar aquele preço? (...) a gente vai lá e compra o CNPJ, segura e trava um pouquinho, até o Humberto (Silva Gomes, dono da Barbalho Reis) se liberar, todo mundo se liberar, e a gente pegar e tocar pra frente", diz Dalmo para Hugo em ligação interceptada em 24 de junho.
No relatório da Operação Voucher, a PF conclui que a quadrilha participa do "condenável comércio de entidades sem fins lucrativos, que gozam de benefícios para contratar junto ao poder público", e usa empresas já constituídas no esquema. A estratégia é usada porque, para receber dinheiro público, entidades sem fins lucrativos têm de comprovar ao menos três anos de experiência na área relativa ao convênio.
Nos cursos inexistentes, folgas durante Copa do Mundo
Sócio do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), Luiz Gustavo Machado pergunta a um homem, em 16 de junho, se a TSM, empresa que pertencia a seu pai, está em condições de ser aproveitada numa contratação: "Ela tá toda em ordem, não tá? (...) Tá zerada, né?"
Alertado de que o estatuto social da TSM previa somente serviços de representação, ele propõe alterá-lo, a exemplo do que fez com o próprio Ibrasi, cujas funções foram alteradas meses antes de iniciado o convênio com o Turismo: "Posso mudar o estatuto dela. (...) De todo o jeito eu preciso da cópia para estudar a possibilidade de usar no que eu tô pretendendo, certo?"
As investigações demonstram que os acusados atuaram para forjar planilhas de cursos que deveriam ter ministrado. A PF flagrou Maria Helena Necchi, diretora técnica da Ibrasi, e sua filha, Adriana Necchi Ribeiro Carretti, em 9 de maio, combinando a preparação de uma lista de presença de 2010. Elas têm a preocupação de não incluir aulas nos dias de jogos na Copa.
Maria Helena demonstra preocupação com cursos de oito horas. Ela pede para a filha usar um modelo de planilha que já estava à disposição. A diretora do Ibrasi explica para a filha algumas abreviaturas que aparecem no rascunho e depois diz que é preciso encaixar na carga horária um número suficiente de instrutores.
"O que eu pensei em fazer com essa lista é primeiro ver se nessas datas que têm aí não coincidiu de semana de Copa do Mundo (junho 2010), que eu acho que não. A gente fez primeiro Mazagão e Oiapoque (duas cidades do Amapá), depois a gente pulou e começou Macapá, então não deve ter nada em julho, junho, né? Junho que é Copa. (...) Depois eu vou ter que apropriar a carga horária pra poder dimensionar instrutor, tá?", orienta.
Maria Helena observa que não é necessário especificar os turnos em que as supostas turmas ocorriam: "Não precisa dizer se é manhã, de tarde e de noite, pressupõe que seriam doze, oito horas. Quantos monitores dão e quanto eles podem se repetir, né?".
Direção do Ibrasi fraudava valores em comprovantes
Em conversa com uma de suas funcionárias sobre a necessidade de apresentar como instrutores pessoas de confiança, a diretora do Ibrasi dá mais detalhes de como o grupo procedia. Citando o empresário Humberto Gomes, da Barbalho Reis, afirma, em 15 de julho: "Ele me entregou o currículo e não sei se ele também falsificou os recibos".
Era o próprio Ibrasi, segundo as investigações, que determinava às suas subcontratadas o valor a ser posto em comprovantes de pagamento, e não o contrário. Para a PF, um indício de que os serviços não eram feitos. Em 17 de junho, Katiana Necchi, outra filha de Maria Helena, conversa com uma funcionária de Sandro Saad, diretor da entidade, sobre o valor dos serviços supostamente prestados pela empresa Manhatan: "Luiz (Machado) pediu pra falar com você e avisar ao Sandro, pra poder emitir nota... as outras a gente fez 193 (mil reais) porque tava uma soma errada, eu até mandei um aditivo consertando e pondo a última parcela para 195".