Título: ONU rompe impasse e condena Síria pela 1ª vez
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 04/08/2011, O Mundo, p. 29

Com articulação brasileira, Conselho de Segurança aprova declaração contra violência, mas não impõe sanções a Assad

NOVA YORK e BRASÍLIA. O Conselho de Segurança da ONU rompeu ontem mais de dois meses de impasse diplomático ao aprovar, por consenso, um documento condenando pela primeira vez a violência usada pelo regime do presidente sírio, Bashar al-Assad, na repressão a manifestantes. A declaração da presidência do Conselho não impõe sanções, mas aumenta o isolamento político de Assad e abre o caminho para a possível adoção de medidas punitivas.

"O Conselho de Segurança pede às autoridades da Síria que respeitem plenamente os direitos humanos e que cumpram suas obrigações, obedecendo às leis internacionais. Os responsáveis pela violência deverão responder por seus atos", diz o texto da declaração, lida pelo embaixador da Índia junto às Nações Unidas, Hardeep Singh Puri, que ocupa este mês a presidência do Conselho.

- Estamos mandando uma mensagem clara e unificada: esses atos de barbaridade têm que parar. Esperamos ver uma mudança de abordagem da parte do regime sírio nos próximos sete dias - disse o embaixador britânico, Mark Grant, referindo-se ao prazo dado no texto até a nova discussão do assunto com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Forças do ditador promovem ofensivas em diversas cidades do país com mais intensidade desde domingo, principalmente em Hama, cidade que se converteu em um foco de resistência de manifestantes contra o regime. Ontem, tanques invadiram a praça Assi, local de protestos, e a cidade enfrentou cortes de água, luz e telefone. Desde o início do levante, mais de 1.500 pessoas morreram, segundo ativistas de direitos humanos, mas o Conselho de Segurança ficou paralisado por divergências entre as potências ocidentais e as posições de países, como Índia, Brasil, África do Sul e Rússia.

A representante do Líbano, Caroline Ziade, apresentou declaração em separado, dissociando seu país, único representante árabe no Conselho de Segurança atualmente, do texto da declaração. A missão libanesa, no entanto, não impediu a adoção do texto, que só poderia passar por consenso.

A opção por uma resolução presidencial, sem força legal, foi feita com o objetivo de garantir que o Conselho de Segurança falasse com uma única voz, sem as divisões que provavelmente aconteceriam na votação de uma resolução. A embaixadora do Brasil, Maria Luiza Viotti, exerceu papel de articuladora, mediando a negociação entre as potências ocidentais (EUA, Reino Unido, França e Alemanha) e os países emergentes com assento na atual composição do Conselho de Segurança, como Índia e África do Sul.

As negociações para o texto aprovado ontem foram abertas na tarde de segunda-feira, quando Maria Luiza fez uma exposição informal ao Conselho de Segurança sobre os pontos que o Brasil considerava consensuais. A Rússia, principal aliada da Síria, começou a mudar de posição na discussão de terça-feira, já em cima das ideias lançadas pelo Brasil. Maria Luiza costurou com o embaixador britânico uma proposta de consenso, que deixou de fora o anúncio de uma investigação pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, em troca de uma linguagem mais forte na condenação à repressão.

Patriota: "Declaração tem valor de alerta"

O secretário-geral da ONU elogiou os termos da declaração e voltou a pressionar o governo de Assad:

- O mundo tem visto a deterioração da situação na Síria com a mais profunda preocupação, mas os acontecimentos dos últimos dias foram brutalmente chocantes. Mais uma vez, convoco o presidente Assad e as autoridades sírias a cessar imediatamente a violência contra seu povo, a respeitar os direitos humanos e a implementar as reformas que já foram anunciadas.

O texto da declaração pede também às autoridades sírias que "aliviem a situação humanitária em áreas críticas cessando o uso da força nas cidades atingidas, permitindo acesso rápido e sem obstáculos a agências humanitárias internacionais".

Satisfeito com a aprovação do texto, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse que o Brasil pode até apoiar medidas adicionais contra a Síria diante da situação, que preocupa pelo número de mortos, intensidade da violência e ausência de solução no curto prazo.

- Uma declaração presidencial é uma boa manifestação neste momento. Isso tem um valor de alerta, e esperamos que seja levado em consideração com seriedade, e que as forças favoráveis à reforma, à moderação, ao diálogo, em atendimento às aspirações que nós consideramos legítimas de liberdade de expressão por um melhor governo, por mais democracia, saiam fortalecidas com esta manifestação - afirmou.

COLABOROU: Catarina Alencastro