Título: Bolsas têm tombo de US$2,6 tri no mundo
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 04/08/2011, Economia, p. 21

CRISE DA DÍVIDA

Temor de recessão mundial derruba mercados. Bovespa tem dia de nervosismo e cai 2,2%

Num clima de nervosismo, que lembrou os difíceis tempos da crise financeira internacional, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) recuou ontem pelo terceiro pregão seguido e voltou ao menor patamar desde setembro de 2009, quando ainda se recuperava das perdas da turbulência mundial. O Ibovespa, índice de referência do mercado, chegou a recuar 3,60% pela manhã, refletindo novos sinais de enfraquecimento da economia americana. À tarde, enquanto as bolsas em Wall Street começaram a se recuperar, o mercado brasileiro seguiu sem reação e terminou com recuo de 2,26%, aos 56.017 pontos, o pior pregão em quase seis meses. Com mais um dia de baixas pelo mundo, os mercados de ações acumulam agora perdas US$2,66 trilhões em valor de mercado de 27 de julho até ontem, desde que o impasse em torno do endividamento do governo americano se agravou, elevando o risco de calote.

Segundo especialistas, o movimento foi desencadeado ontem por mais indicadores negativos nos EUA, reforçando temores de nova recessão na maior economia do planeta. Pesquisa consultoria ADP revelou que as empresas americanas contrataram 114 mil trabalhadores em julho, abaixo do número de 145 mil registrado em junho. Já o Índice ISM, que mede a atividade no setor de serviços, caiu para 52,7 em julho, abaixo dos 53,3 de junho e das expectativas do mercado.

- O mercado olha esses fracos números dos EUA, segundo principal parceiro comercial do Brasil, e se pergunta de onde vai sair estímulo para a recuperação da economia americana, já que o governo Obama se comprometeu a cortar US$1 trilhão de gastos para elevar o teto da dívida - disse André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.

Bovespa perde US$68 bilhões

Esse temor provocou quedas também nos mercados da Europa, onde as principais bolsas fecharam nos menores patamares em 11 meses: Londres (-2,34%), Paris (-1,93%) e Frankfurt (-2,30%). Em Wall Street, o Dow Jones avançou 0,25% e o Nasdaq, 0,89%, após circularem rumores que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) poderia adotar medidas para incentivar a economia.

Por aqui, o pregão foi marcado por volumosas ordens de venda de ações na Bovespa, disparadas por grandes fundos de pensão e investimento, que tentavam conter suas perdas. O volume de negócios realizados chegou a a R$8,27 bilhões, o dobro do registrado em dias sem vencimento de opções e índices futuros. Dos 67 papéis que compõem o Ibovespa, 60 fecharam em queda ontem.

- O investidor prefere ficar com dinheiro em caixa ou em ativos seguros em períodos de crise, então vende as ações em países emergentes. Mas foi impressionante a violência dessa realocação de recursos - disse João Pedro Brugger, da Leme Investimentos.

Os analistas explicam que a queda ontem foi exacerbada pelas chamadas resistências técnicas na Bolsa - pontuações do Ibovespa que, quando atingidas, orientam ordens automáticas de vendas de ações por computadores, os chamados stop-losses (pare perdas, em inglês). O principal ponto de resistência era o de 56.200 pontos.

- As vendas para estancar as perdas geram mais perdas e novas vendas. É uma bola de neve que derruba a Bolsa - avaliou Luis Gustavo Pereira, da Um Investimentos.

A expectativa de uma desaceleração global pesou ontem sobre os preços de commodities como petróleo e metais básicos. Isso derrubou ações de empresas de matérias-primas no Brasil. As maiores contribuições para a queda do Ibovespa foram as ações preferenciais da Petrobras (-2,96%, a R$22,29) e da Vale (-2,66%, a R$43,61).

O dólar comercial recuou 0,25%, a R$1,563, enquanto investidores buscaram o ouro como porto seguro. O metal teve sua oitava sessão seguida de alta e um novo recorde: em Nova York, subiu 1,3%, a US$1.666,30 a onça troy (31,1g) para entrega em dezembro. Desde 25 de julho, a alta acumulada é de 3,4%. No dia, o metal chegou a subir a US$1.675.90.

Com o cenário de crise, segundo dados da Bloomberg News, depois das perdas da última semana, as bolsas do mundo valem agora, somadas, US$52,1 trilhões. Nesse bolo, a Bovespa respondeu por uma perda de US$68 bilhões de valor de mercado, para US$1,3 trilhão. É como se duas Companhias Siderúrgicas Nacionais (CSN) virassem pó. Entre as principais bolsas mundiais, no ano, o Ibovespa recua agora, em dólares, 14,16%, queda superada apenas pela Bolsa de Atenas (-16,52%), que está no centro da crise da dívida da Europa.

Felipe Miranda, analista Empiricus Research, lembra que a Bolsa brasileira está entre as maiores baixas do mundo há alguns meses. Segundo ele, uma série de fatores explica isso: a interferência do governo em empresas com importante peso na Bolsa, como Petrobras e Vale; a dependência de empresas de commodities, que têm registrado fortes quedas; e a aceleração da inflação brasileira.

- Existem tanto questões macroeconômicas quanto específicas de empresas e setores por trás das perdas. E mais recentemente dados da produção industrial brasileira não ajudaram - avalia Miranda.