Título: Um ser artificial
Autor: Grandelle, Renato
Fonte: O Globo, 12/08/2011, Ciência, p. 32

Pesquisadores inserem aminoácido sintético em DNA de verme; técnica, quando aplicada em humanos, pode ajudar na criação de novos tratamentos

O verme Caenorhabditis elegans: mesmo com apenas 1mm, ele tem genoma muito parecido ao do homem

renato.grandelle@oglobo.com.br

Um verme de apenas 1 milímetro de comprimento é o protagonista de uma descoberta que promete revolucionar a biologia. Ontem, pesquisadores da Universidade de Cambridge anunciaram a criação inédita de um animal com informação artificial inserida em seu código genético. Além dos 20 aminoácidos tradicionalmente presentes no DNA, um outro, inexistente na natureza, foi feito em laboratório e acrescentado à estrutura, possibilitando a criação de milhares de novas proteínas. Estima-se que a inovação, no futuro, possa ser usada em diversas terapias para seres humanos.

O código genético do verme foi ampliado para que ele pudesse criar moléculas biológicas desconhecidas no mundo natural. A partir daí, o organismo passou a produzir uma proteína com um corante fluorescente de cor cereja. O corpo transparente do verme brilhava a cada vez que era colocado sob luz ultravioleta.

Cientistas já haviam conseguido introduzir aminoácidos sintéticos no DNA de bactérias, mas nunca em um organismo multicelular. Segundo Mariano Zalis, chefe do Laboratório de Biologia Molecular do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), é só uma questão de tempo para que a experiência tenha sucesso em animais cada vez mais complexos.

¿ Esta é uma mudança de paradigma, o início de uma nova era ¿ assinala. ¿ Do verme para um camundongo, um mamífero complexo, a pesquisa vai se desenvolver mais rapidamente. E, um dia, isso chegará até nós.

Zalis acredita que, quando a pesquisa for avançada a ponto de ser aplicada ao ser humano, as proteínas desenvolvidas por este método poderão servir como marcadores. Sua evolução pelo corpo humano poderá ser acompanhada e usada em terapias.

¿ Um câncer, por exemplo, provoca diversas mudanças nas células tumorais. Com o uso de marcadores artificiais, podemos acompanhá-las, ver como reagem a cada aminoácido, que funções eles provocam ¿ avalia. ¿ O ser humano é cada vez mais analisado pela imagem, pela célula in vivo. Ter as proteínas modificadas vai nos fazer entender muito melhor a biologia da doença e desenvolver a terapia.

O estudo também foi recebido com otimismo no exterior. Mario de Bono, especialista na espécie de verme Caenorhabditis elegans, usada na pesquisa, prevê que as boas novas do estudo de Cambridge serão ¿rapidamente incorporadas¿ por outros biólogos, afirmando que o método em breve poderá ser aplicado em uma grande escala de animais.

Novo estudo ativará neurônios por laser

A pesquisa, publicada na nova edição da revista especializada ¿Journal of the American Chemical Society¿, é assinada por Jason Chin e Sebastian Greiss, do Laboratório de Biologia Molecular ¿ o mesmo onde os cientistas Francis Crick e James Watson descobriram a estrutura molecular do DNA, em 1953.

Chin descreveu a técnica como ¿potencialmente transformadora¿. Segundo ele, a criação de novas proteínas, uma consequência do experimento, manteve-se inteiramente sob o controle da dupla.

De acordo com o pesquisador, qualquer aminoácido artificial pode ser escolhido para produzir novas propriedades. Já De Bono sugere que a experiência seja usada agora para introduzir no organismo novas proteínas, que possam ser controladas por luz.

Ambos, aliás, já querem aperfeiçoar a técnica para ver seus efeitos no cérebro. Um novo estudo preparado pela dupla mexerá nas células neurais do verme, ativando ou desativando neurônios usando apenas minúsculos flashes de laser.