Título: Nos tribunais, criminosos de fato e de ocasião
Autor:
Fonte: O Globo, 12/08/2011, O Mundo, p. 29

Lista de acusados inclui universitária rica, crianças e reincidentes

A. GRIMA: ataque a policial

P. OBONYANO: ofensa à ordem

B. MOORE: ataque a policial

J. ULLETT: ofensa à ordem

E. FLANAGAN: roubo de roupas

T. SKINKS: ofensa à ordem

R. GEMMELL: ofensa à ordem

P. RUANE: preso por contrabando

UM GAROTO de 12 anos esconde o rosto ao sair da corte em Manchester, junto da mãe, após admitir roubo

Fernando Duarte

LONDRES. Nas palavras de um dos muitos jornalistas britânicos que acompanham o caso, o indiciamento dos suspeitos de saques e desordens nas ruas de Londres é semelhante a uma grande linha de montagem. O ritmo frenético de avaliação de casos nos tribunais de Londres revela um perfil heterogêneo de acusados: de jovens moradores de conjuntos habitacionais a uma universitária que vive com os pais numa casa de mais de US$1 milhão.

Um dos casos que mais chamou a atenção, porém, foi o de um menino de 11 anos que participou do ataque a uma loja de departamentos do subúrbio londrino de Romford ¿ e cujo nome não foi divulgado porque a legislação britânica proíbe a identificação de infratores menores de 18 anos. Não chamou a atenção apelas pela idade, mas pelo fato de ter sido flagrado pelos policiais carregando apenas uma cesta de lixo avaliada em cerca de US$80, um butim bem mais modesto que as TVs de plasma, computadores e roupas de grife vistas nos braços de outros saqueadores.

O juiz da corte de Highbury não aceitou uma acusação de comportamento violento, mas o garoto será julgado por furto. Já uma menina da mesma idade presa durante os distúrbios em Nottingham, no norte do país, respondeu pela acusação de danos à propriedade pública e recebeu uma suspensão condicional da pena durante nove meses ¿ se voltar a causar delitos durante o período será encaminhada para um reformatório.

¿ Pode parecer uma sentença rigorosa demais para alguém que atirou pedras em vitrines, mas reflete a seriedade da situação nas ruas ¿ declarou o juiz do caso, Maurice Cooper.

Ambas as crianças vêm de famílias de classe baixa. Um caso bem diferente de Laura Johnson, uma estudante de 19 anos cuja casa, no influente subúrbio londrino de Orpington, conta até com uma quadra de tênis. Ela serviu de motorista para um grupo de amigos e em seu carro foram encontradas uma série de mercadorias roubadas. A jovem é alvo de cinco acusações de roubo.

Constrangedor também foi o caso de Chelsea Ives, uma atleta juvenil selecionada como garota-propaganda das Olimpíadas de Londres e que chegou a ser recebida pelo prefeito Boris Johnson numa solenidade, além de ter participado de uma visita ao Parlamento em 2009. Acusada de participar de saques e de atacar um carro de polícia, ela foi denunciada à polícia pela mãe, que a reconheceu em imagens da TV.

¿ Sei que muita gente vai achar que sou um monstro por ter entregue minha filha às autoridades, mas era a coisa certa a se fazer ¿ disse Adrienne Ives ao jornal ¿Evening Standard¿.

Já uma adolescente de 17 anos foi acusada de roubar mais de US$300 mil em aparelhos eletrônicos de uma loja de Croydon, outro subúrbio londrino severamente afetado pelos distúrbios. Embora tenha negado as acusações, imagens de câmeras de segurança pública mostraram a jovem entrando duas vezes no estabelecimento para saqueá-lo. Assim como em outros casos, ela não recebeu fiança, sob o argumento de que poderia participar de novos saques.

Em várias partes da capital, tribunais funcionaram durante a madrugada para tentar lidar com mais de 200 casos apresentados aos juízes. No estacionamento, não havia espaço para todas as vans transportando suspeitos e pelo menos uma teve que ser levada para longe das outras depois que uma briga estourou em seu interior. Muitos acusados tentaram esconder o rosto e alguns faziam gestos obscenos para os fotógrafos.

Em Manchester, um dos casos que mais chamou a atenção foi o de Linda Boyd, de 31 anos, com um histórico de 96 delitos em sua ficha policial ¿ ela agora é acusada de roubar álcool, cigarros e celulares. Até a noite de ontem, mais de 600 tinham sido indiciadas, com 76% dos casos envolvendo furtos ou roubos e 69% dos acusados na faixa etária de 15 a 24 anos. Indicadores que levaram alguns especialistas a declarar que, ao contrário de outras revoltas de jovens, como os distúrbios nos subúrbios de Paris, em 2005, envolvendo em sua maioria imigrantes de origem africana, a desordem em Londres, carece de uma agenda política. No entanto, para o comentarista Dan Hodges, especialista em assuntos de justiça social no Reino Unido, o argumento menospreza os motivos pelos as pessoas saíram às ruas.

¿ Para esses jovens, ataques a vitrines ou estoques é uma forma de obter à força o que a sociedade, em sua opinião, nega-lhes ¿ explica Hodges.