Título: O ponto do medo
Autor: Galdo, Rafael
Fonte: O Globo, 12/08/2011, Rio, p. 13

Motorista revela que foi treinado a parar ônibus em frente a universidade em caso de perigo

ACIMA, POLICIAIS iniciam o cerco ao ônibus da linha Praça Quinze-Duque de Caxias, no ponto onde o motorista foi orientado a parar. Ao lado, já em frente à prefeitura, militares se protegem de possíveis disparos

HOMENS DO BOPE cercam o veículo, que chegou a ser conduzido por passageiro

rafael.galdo@oglobo.com.br

Deveria ser uma espécie de porto seguro. Pelo menos era o que imaginava o motorista X., de 40 anos, quando resolveu, na noite da última terça-feira, parar em frente a uma patrulha policial na Avenida Presidente Vargas, no Centro, para avisar à Polícia Militar que o ônibus que dirigia estava prestes a ser assaltado. Dois dias depois do sequestro ao ônibus Praça Quinze-Caxias ¿ coincidentemente linha 104-C, que lembra a 174 ¿ ele falou ontem ao GLOBO e pediu para não ser identificado. E contou que, ao descer naquele ponto, em frente à Universidade Estácio de Sá, seguia normas da Viação Jurema.

Ainda muito apreensivo, X. disse que, num treinamento de segurança que recebeu da empresa, aquele era um lugar indicado como estratégico e protegido para pedir ajuda aos policiais caso desconfiasse de alguma movimentação estranha. Não sabia que viveria ali momentos de pânico.

¿ Cumpri ordens. O que fiz foi um procedimento normal da empresa. Era um local designado para pararmos, por causa da cabine da PM. Parei e falei com os policiais. Podia não ser nada, como já aconteceu várias vezes. Nunca imaginei que pudesse ter o desfecho que teve (pelo menos 15 disparos feitos pela PM e cinco feridos). Infelizmente fui eu o envolvido ¿ disse.

De acordo com X., nas ocasiões anteriores em que tinha chamado a polícia ao suspeitar de assalto, sempre tinha sido alarme falso. A própria Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do estado (Fetranspor), respondendo pela Jurema, confirmou a orientação da empresa aos motoristas. Segundo a federação, o treinamento pelo que eles passam é supervisionado pela PM, que sugeriria a parada nesses pontos estratégicos em caso de qualquer ameaça.

Um carro dava cobertura ao assalto

O motorista afirmou que desconfiou que os passageiros seriam atacados logo na entrada dos bandidos no ônibus. Ele confirmou que viu três deles descendo de um carro, parado na frente do coletivo, próximo à Central do Brasil. A informação reforça a tese de que um veículo dava cobertura aos criminosos. X. disse que os ladrões pareciam nervosos ao subirem. Foi quando ele decidiu parar, em frente à Universidade Estácio de Sá:

¿ A partir daí, quando houve os primeiros disparos, eu me esquivei e corri, junto com outras pessoas, para dentro da Estácio de Sá. Não vi mais nada. As pessoas comentaram que o ônibus estava saindo do lugar. Estava com tanto medo que nem quis olhar. Quando escutei mais tiros, o ônibus já estava a metros de distância.

Em 15 anos de profissão, que ele afirma ser uma vocação desde a infância, o rodoviário conta nunca ter passado por um assalto à mão armada e anunciado como o de terça-feira. Até então, relata, passageiros já tinham sido atacados em ônibus dirigidos por ele. Mas, todas as vezes, só após os bandidos descerem ele tinha tomado conhecimento do assalto. Agora, depois do que viveu no Praça Quinze-Caxias, X. diz que será difícil superar o trauma e não sabe se voltará ao mesmo trabalho ou se abandonará a profissão. Sua família também está com medo.

¿ Não sei o que vou fazer ainda. Foi um assalto que mudou a minha vida e a dos passageiros, devido à proporção que tomou. Ontem passei o dia mal, não consegui dormir, com dores abdominais ¿ contou, ainda sob o efeito de remédios. ¿ Quero ficar uns dias longe, de licença. Depois vou decidir o futuro. Mas resolvi encarar de frente essa situação.

Mesmo ainda muito abalado, X. agradeceu a solidariedade de alguns passageiros que, segundo ele, teriam telefonado e enviado e-mails para a empresa buscando notícias suas.

¿ Mais do que eu, eles tiveram suas vidas afetadas. E se solidarizaram comigo. Acredito que fiz o certo, cumpri as normas da empresa, mas me expus. Agora Deus que me dê forças ¿ resumiu o motorista, que é evangélico.

Ele deu entrevista ontem com a condição de que não fosse fotografado nem filmado. Tampouco autorizou a divulgação do local da conversa. Também não quis comentar a atuação da polícia. E disse estar recebendo apoio psicológico da Viação Jurema.

oglobo.com.br/rio

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