Título: Cultura borocrática
Autor: Cader, Renato
Fonte: O Globo, 12/08/2011, Opinião, p. 7

As políticas ambientais estão engendradas em um campo de forças onde residem questões conflituosas de ordem econômica, político-institucional, ecológica e social. A dimensão político-institucional do processo decisório ambiental influi diretamente na efetividade da política ambiental no Brasil, e sua fragilidade impede que a mesma seja implementada de forma efetiva para gestão sustentável dos recursos naturais. Os órgãos e entidades ambientais carecem de fortalecimento institucional e de reorganização de suas atribuições. Predominam ainda a fragmentação e a falta de sinergia entre os órgãos ambientais. Problemas relacionados ao conflito de interesses e à burocracia dessas instituições prejudicam também a eficiência e a eficácia do processo decisório ambiental.

A relação entre os vários setores que estão envolvidos na política ambiental do país é pautada por divergências substanciais entre cientistas, formuladores de política, burocratas e técnicos de diferentes áreas sobre como conciliar as necessidades de desenvolvimento do país com a perspectiva de conservação e uso sustentável dos recursos naturais. As polêmicas e discussões parecem que não têm fim na área ambiental que envolvem desde as hidrelétricas até o novo Código Florestal.

As políticas ambientais devem ser pensadas a partir do interesse nacional de longo prazo, aproximando a ciência da tomada de decisão. No entanto, a ciência e o conhecimento existentes, com todas suas limitações, não são suficientes para que as políticas assegurem a gestão sustentável dos recursos naturais. Existe algo que vai além de todo esse processo, que é a forma como os interesses políticos são construídos e conduzidos. A aprovação do novo Código Florestal é mais uma lei em que prevalecem os interesses políticos em detrimento da voz de gestores capacitados e cientistas. Um novo Código que trará novos critérios e parâmetros. Independentemente de ser mais ou menos flexível, é mais uma lei no ordenamento jurídico que poderá perder sua eficácia, considerando a fragilidade da gestão governamental no Brasil. De nada adianta formular novas políticas e leis, se não se tem um Estado capacitado para efetivá-las.

No Brasil, o excesso de legislação e a falta de harmonia entre os dispositivos legais imprimem uma complexidade à estrutura normativa ambiental do país que dificulta a realização das políticas e também provoca maior distanciamento dos tomadores de decisão em relação ao conjunto da sociedade. Os conselhos com representantes da sociedade civil, técnicos e cientistas são elementos importantes para aproximar a ciência e a sociedade do processo decisório ambiental, mas os mesmos perdem a eficácia quando as políticas são formuladas num ambiente com pouca maturidade técnica e institucional.

Os problemas e desafios da política ambiental do Brasil são, em grande parte, de ordem político-institucional. É notável a baixa capacidade institucional existente nos órgãos ambientais no Brasil nos diferentes entes federativos, revelada pela insuficiência quantitativa e qualitativa de recursos humanos, materiais, financeiros, tecnológicos, organizacionais, gerenciais e de informação.

Nesse contexto, os tomadores de decisão devem priorizar o fortalecimento das instituições. De nada adianta ter uma legislação ambiental avançada e políticas públicas bem elaboradas se não há instituições fortalecidas para implementá-las. Esse fortalecimento pressupõe vontade política e visão estratégica para dotar o Estado do aporte necessário de recursos. O Estado brasileiro tem uma cultura burocrática que prioriza a formulação de normas e leis em detrimento de ações gerenciais, que são fundamentais no processo. Em outras palavras, há mais formuladores de política e tomadores de decisão que bons gestores. Ou seja, há mais lideranças políticas do que propriamente executivas.

RENATO CADER é diretor de Gestão do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.