Título: Combates levam a fuga em massa de Trípoli
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Fonte: O Globo, 22/08/2011, O Mundo, p. 26

Famílias contam histórias de uma cidade paralisada. Confrontos impedem navios de atracar no porto para retirar estrangeiros

BIR AYAD, Líbia. Antes mesmo de os combates tomarem as ruas de Trípoli, moradores da capital iniciaram uma verdadeira fuga em massa, temendo os confrontos. Na cidade de Bir Ayad, a pouco menos de cem quilômetros de Trípoli, uma longa coluna de carros chegou a um posto de controle dos rebeldes, levando crianças que faziam o sinal da vitória e pais buzinando alegremente. As famílias, centenas delas, escaparam da capital no fim de semana, usando vielas e rodovias vicinais para evitar as barreiras controladas por forças ainda leais ao ditador Muamar Kadafi. Estrangeiros, no entanto, não conseguiam deixar a cidade. O navio de bandeira maltesa MS Triva 1 não conseguiu atracar ontem no porto de Trípoli por causa dos combates. A embarcação deveria retirar cidadãos de vários países, como Reino Unido e Polônia, da capital sitiada.

- O navio está esperando um momento melhor para entrar no porto porque na sua primeira tentativa ele ficou sob fogo - justificou Paulina Kapuscinska, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Polônia.

A Organização Internacional para Migrações emitiu um apelo por ajuda na sexta-feira enquanto prepara uma ponte aérea para buscar milhares de estrangeiros de Trípoli, a maioria trabalhadores egípcios, mas também voluntários de organizações humanitárias e jornalistas.

"Os soldados nos chamaram de ratos"

Já as famílias em Bar Ayad são parte de um crescente êxodo da capital líbia que se seguiu a significativos avanços do desorganizado exército rebelde rumo a Trípoli. Suas seguidas vitórias levaram muitos a esperar o fim da era Kadafi nos próximos dias ou semanas, mas muitos habitantes da capital dizem que não podem esperar tanto.

Os refugiados que deixavam Trípoli de carro estão se juntando a milhares de outros que decidiram trocar as regiões em conflito por fortalezas rebeldes nas montanhas de Nafusa. Ameaças, falta de comida e o medo dos bombardeios da Otan os fizeram fugir, contam, destacando que os que partiram eram vistos como traidores pelas forças leais ao ditador.

- Os soldados nas barreiras nos chamaram de ratos e nos acusaram de desertar em prol dos rebeldes - diz Mabrouk Mohammad, acrescentando que os militares ordenaram que na fuga anterior desse meia volta e retornasse à capital, onde tinha passado meses deliberando se deveria partir ou não. - A comida está ficando muito cara, bancos e muitos escritórios do governo estão fechados em sua maior parte e não sabemos o que esse cachorro louco vai fazer quando estiver encurralado.

A decisão de se arriscar e fugir da cidade veio finalmente na quinta-feira, quando soldados vasculharam sua casa depois de protestos na vizinhança. Assim, quando os soldados mandaram que desse a meia volta, ele retornou, deu a volta na barreira por uma viela e seguiu rumo ao território rebelde.

- Agora estamos livres - afirmou Mohammad, ainda sem saber que os rebeldes tomariam a cidade momentos depois.

A dúvida entre ficar ou partir dividiu famílias na capital, conta Ahmad, que pediu para não ter o sobrenome divulgado por medo de retaliações. Ele escapou da casa da família no centro de Trípoli depois que seu pai, um funcionário do governo aposentado, opôs-se ao seu plano de partir para as montanhas e se juntar à rebelião. Não porque o pai fosse contra a causa rebelde, mas com dois de seus irmãos já lutando nas fileiras opositoras, ele queria que o terceiro filho ficasse em casa. Mas agora, depois de secretamente pegar uma carona com um vizinho, Ahmad está na capital rebelde de Zintan, cheio de fervor revolucionário, mas triste porque o resto de sua família ficou em Trípoli.

- Agora vamos ter que esperar que Kadafi morra para podermos nos ver de novo - diz. - Mas, felizmente, esse dia está muito próximo.