Título: A hora é de ser responsável
Autor: Santos, Jankiel; Bancillon, Deco; Verdini, Liana
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2009, Economia, p. 20

Economista aposta em crescimento de 0,5% para o PIB em 2009 e afirma não ver espaço para a queda dos juros até o fim do ano que vem.

Não teria por que Meirelles queimar sua reputação, fazendo campanha mesmo estando no BC. Acho difícil que isso aconteça¿

Apesar do otimismo que o faz ser um dos pouquíssimos analistas a projetar crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, mais precisamente de 0,5%, o economista-chefe do Banco BES Investimento, Jankiel Santos, não esconde seu desconforto com a gastança promovida pelo governo a título de estimular a economia em meio à crise mundial. Para ele, se a redução do superávit primário de 3,3% para 2,5% do PIB foi compreensível diante da recessão vivida pelo país nos três últimos meses de 2008 e no primeiro trimestre deste ano, chegou a hora de o governo retomar a responsabilidade fiscal. ¿Não há porque destruir uma reputação construída ao longo de oito anos¿, diz.Ele também se mostra preocupado com a possibilidade de o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, continuar no cargo até março do ano que vem, mesmo tendo se filiado a um partido político e lançado sua candidatura, muito provavelmente ao governo de Goiás. ¿Eu, particularmente, veria com bons olhos se ele abandonasse a função para eliminar, de fato, qualquer dúvida que exista com relação a uma candidatura política em 2010¿, afirma. Na sua avaliação, não há mais espaço para a queda da taxa básica de juros (Selic), apesar da promessa de Meirelles a Lula nesse sentido. E ressalta: ¿Chegou a hora de o Brasil surfar na onda de um crescimento sustentado, com mais emprego e renda¿. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva que Santos concedeu ao Correio Braziliense.

A hora é de ser responsável

O governo está exalando otimismo e reforça as apostas de que o PIB deste ano será positivo, a despeito de o consenso do mercado ser de baixa. Qual a sua expectativa para a economia? Desde o ano passado vínhamos projetando um PIB positivo, a despeito da crise. Imaginávamos um quadro de contração bastante forte no quarto trimestre de 2008 e início de 2009, mas acreditávamos na recuperação, sobretudo, do mercado de trabalho, que nos daria condições de retomar a trajetória de crescimento já a partir do segundo semestre de 2009. Fomos obrigados a revisar o número de um valor mais positivo do que tínhamos para 0,5%.

O governo fala de crescimento de 1% para este ano e de até 5% para 2010. Como o senhor vê essas previsões? Para que o PIB deste ano cresça 1%, seriam necessárias, neste segundo semestre, taxas de crescimento muito fortes, o que é muito difícil que aconteça. Acreditamos que acontecerá o fenômeno inverso do que vimos no primeiro trimestre, quando muita gente se assustou com os resultados. O segundo trimestre foi positivo. Mas, agora, começamos a ter um patamar de comparação que começa a ser mais difícil de ser superado. Portanto, o PIB vai continuar crescendo, só que de forma mais gradual até o fim do ano. É como a gente sempre coloca: se você destrói uma casa e coloca um tijolo, a taxa de crescimento observada será muito grande. No segundo tijolo, essa taxa já caiu pela metade. E daí por diante. Como incluímos isso nas nossas projeções, apostamos em um avanço de 0,5% para 2009 e de 3,7% em 2010. Para retomar o crescimento de 4% ao ano, terá que haver uma arrancada muito forte da economia, coisa que a gente não consegue enxergar.

O governo vem alardeando que o Brasil foi o último país a entrar na crise e está sendo um dos primeiros a sair. É verdade? O que fez a diferença? É verdade que o Brasil está em uma situação bem diferente das crises passadas. E isso é um ponto muito importante. No início do Plano Real (1994 e 1995), por exemplo, o país havia conseguido derrubar a inflação, mas as contas externas estavam desajustadas. Com a mudança do câmbio fixo para o flutuante, em 1999, começou-se a fazer o ajuste dessa contas. No início do governo Lula, em 2003, começou-se a reforçar as reservas internacionais. Houve ainda um aprofundamento no ajuste fiscal e a inflação caiu em meio a um ciclo contínuo de crescimento. Quando veio a crise, o setor exportador sentiu o baque, mas a demanda interna se manteve firme. E é ela que está fazendo a diferença. O emprego e a renda pouco foram afetados.

Mas há uma grande preocupação com o aumento de gastos do governo. Com a queda da arrecadação, a dívida pública aumentou. Não se trata de uma combinação explosiva? Não há dúvidas de que o atual estágio das contas públicas preocupa. O fato de o governo ter aumentado os gastos neste ano de crise internacional para estimular a economia, jogando o superávit primário (poupança para o pagamento de juros da dívida) para um dos patamares mais baixo dos últimos tempos (2,5% do PIB), foi uma atitude acertada. Assim como foi a sinalização de que esse movimento se tratou de uma ajuda temporária, que, no ano que vem, o superávit voltará para 3,3% do PIB. Agora, se o governo vai cumprir ou não essa sinalização, não se sabe. E é isso o que preocupa.

Toda a atenção do governo está voltada para 2010. A máquina está empenhada em fazer a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, sucessora do presidente Lula. Isso não dificulta o equilíbrio das contas públicas? Com certeza, 2010 será um ano mais complicado. Por isso, será importante a Lei de Responsabilidade Fiscal. Temos de reconhecer que, em outras épocas, nós passamos por anos eleitorais e, mesmo assim, as metas fiscais foram cumpridas. Creio que essa é uma conquista importante e que fez com que o país tivesse mais credibilidade perate os investidores internacionais. Sendo assim, acho difícil que, mesmo em ano eleitoral, o governo jogue fora oito anos de boa reputação. Apesar de ser um ano difícil, tenho a esperança de que a meta de superávit será cumprida, porque, passado o momento de crise, será necessário voltar a ter responsabilidade fiscal.

Como senhor vê o fato de o presidente do Banco Central, Henrique Meireles, permanecer no cargo mesmo filiado a um partido político? Isso reduz a credibilidade da instituição? Acho que não. A partir do momento em que o presidente do BC anunciar sua candidatura, ficará a critério dele abandonar ou não a instituição. Eu, particularmente, veria com bons olhos se ele abandonasse a função, para eliminar de fato qualquer dúvida que exista com relação a uma candidatura política em 2010 (o governo de Goiás, por exemplo). Nos últimos anos, o que temos visto no BC, apesar de todos os rumores políticos, são decisões muito bem fundamentadas do ponto de vista técnico. Portanto, não teria por que Meirelles queimar sua reputação, fazendo campanha mesmo estando no BC. Acho difícil que isso aconteça. Mas será melhor ele abandonar o cargo assim que anunciar sua candidatura.

O senhor acredita que há espaço para novos cortes da taxa básica de juros (Selic)? Analisar os indicadores correntes (atuais) é importante e tem de ser feito. Mas não adianta o Banco Central olhar apenas para os IGPs (índices gerais de preços), que estão em deflação, para tomar decisões de política monetária. São dados do passado. O BC tem que olhar para frente. E as projeções apontam para inflação abaixo do centro da meta (4,5%). Desse ponto de vista, até teria espaço para novas reduções na taxa de juros. Mas o BC tem indicado que o atual patamar da Selic, de 8,75%, é condizente com um nível da atividade econômica sem que haja pressão inflacionária. Nesse sentido, acho que não há mais espaço para queda da Selic.

Em vez de queda, alguns analistas falam em necessidade de aumento dos juros em 2010, muito em função dos riscos políticos. O senhor endossa essa visão? Não. Tudo indica que a inflação se manterá sob controle em 2010 e 2011, dentro da meta perseguida pelo Banco Central.