Título: Clamor por faxina ética
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Fonte: O Globo, 18/08/2011, O Mundo, p. 32

Premier indiano é atacado por criticar ativista, que recebe permissão para prosseguir greve de fome

NOVA DÉLHI

As manifestações em apoio à causa do ativista Anna Hazare - preso na terça-feira por lançar uma greve de fome pelo endurecimento de uma lei anticorrupção - se disseminaram ontem por todo o país, e ganharam a adesão de personalidades e de setores diversos, como motoristas de riquixás motorizados, professores, eunucos e advogados que atuam na Corte Suprema. Após um dia de intensas negociações entre o governo e aliados de Hazare, o ativista finalmente concordou em deixar a prisão hoje, segundo Kiran Bedi, um amigo próximo, depois que a polícia autorizou uma greve de fome de 14 dias num importante parque da capital. Espera-se que milhares de manifestantes se juntem a ele hoje à tarde no parque Ramlila Maidan, que costuma abrigar grandes eventos públicos.

Apesar do aparente acordo, Hazare - que jejuou ontem pelo segundo dia seguido - passou a noite ainda atrás das grades. Do lado de fora, milhares de pessoas acampadas usavam lenços com a frase "Eu sou Anna", e rechaçavam as críticas feitas pelo premier Manmohan Singh contra o ativista.

- O caminho que Hazare escolheu para impor sua versão de uma lei ao Parlamento é totalmente equivocado e apresenta graves consequências para nossa democracia parlamentar - afirmou Singh diante do Parlamento, referindo-se à greve de fome do ativista por mudanças numa lei que visa à criação de um organismo anticorrupção, e que Hazare considera insuficiente por não incluir a fiscalização do premier e do Judiciário. - Aqueles que acreditam que sua voz representa a vontade de 1,2 bilhão de pessoas deveriam pensar melhor.

O discurso de Singh foi interrompido diversas vezes pela oposição, com gritos de "vergonha". Arun Jaitley, líder do Bharatiya Janata, o principal partido opositor, saiu em defesa dos manifestantes.

- É um pedido de atenção a todos, para colocarmos nossa casa em ordem. As pessoas deste país estão inquietas.

Já nas ruas, dezenas de milhares de indianos responderam ao premier realizando grandes marchas anticorrupção em Bombaim, Chennai, Bangalore e Calcutá, mas também em Chandigarh (norte), Hyderabad (sudeste), Ahmedabad (oeste) e Bhubaneshwar (leste). Na capital, pelo menos 15 mil se reuniram no famoso Portão da Índia, cantando o nome do ativista. Um deles segurava uma faixa que dizia: "Corrupção - Vírus. Anna - Antivírus." Mas, ao contrário do dia anterior, quando 4 mil foram detidos nos protestos em todo o país, ontem não houve registro de prisões.

- Estou impressionado pelo tipo de resposta que o movimento está conseguindo. A multidão nas ruas está crescendo - afirmou em Bombaim Piyush Bhatia, membro da organização Índia Contra a Corrupção.

Artistas condenam repressão

O gorro de algodão branco, símbolo tanto de Mahatma Gandhi quanto de Hazare, esgotou-se nas lojas do centro da capital. Unindo-se ao protesto, um grupo de 5.000 professores jejuou durante um dia em apoio ao ativista. Pelo país, foram realizadas dezenas de cerimônias tradicionais de purificação para, simbolicamente, limpar a Índia da corrupção. Personalidades e artistas também foram a público para criticar o governo, como a atriz Bipasha Basu, uma das mais famosas na Índia.

- Eu condeno a prisão de Anna - afirmou a atriz. Como país, temos um imenso potencial, mas nosso principal obstáculo é a corrupção em todos os níveis. Um homem que consegue inspirar tantas pessoas por um bom motivo não podia ser colocado atrás das grades. É antidemocrático.

O aumento do número manifestantes nas principais cidades indianas pôs em evidência a inabilidade do já fragilizado governo de Nova Délhi em acalmar a situação. Segundo o analista político Kuldip Nayar, os protestos revelam um profundo descontentamento da sociedade em relação às velhas práticas do país, herdadas, em parte, da administração colonial britânica. Por causa desses costumes arcaicos, diz o analista, Hazare se refere à luta anticorrupção como a segunda batalha pela libertação da Índia.

- O governo não sabe o que está fazendo - disse Nayar. - É desajeitado. Além disso, não sabe lidar com o ressentimento da população.

De acordo com uma pesquisa recente realizada no país, a corrupção custou bilhões de dólares no ano passado à Índia, ameaçando o crescimento da terceira economia asiática. O governista partido do Congresso é o principal envolvido nos escândalos, que incluem a venda de licenças de telefonia móvel por um valor muito abaixo do normal, causando um prejuízo de US$40 bilhões aos cofres do país, e denúncias de superfaturamento nos Jogos da Comunidade Britânica em Nova Délhi, no ano passado.