Título: Déficit habitacional e sustentabilidade urbana
Autor: Roriz, Paulo
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2009, Opinião, p. 29

Deputado distrital e secretário de Estado de Habitação do Distrito Federal

¿O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.¿ Esse trecho de poesia de Fernando Pessoa ilustra com propriedade o sentimento de amor e valoração nutrido pelo que é nosso e pertencente à nossa realidade social e afetiva, como a família, os filhos, o trabalho, a cidade e a nossa casa.

Como o rio que passa pela aldeia, a nossa casa pode não ser grandiosa como uma mansão, nem bem situada num bairro do centro ou de condomínios de luxo. Mas a nossa casa, pequena e simples ou ampla e suntuosa, é a nossa vida e representa, na maioria das vezes, o esforço de anos de trabalho para torná-la mais agradável e aconchegante, não só para nós, mas principalmente para nossos filhos.

Ter uma casa, por mais humilde que seja, é ver concretizado um dos maiores símbolos da dignidade humana, porquanto a sua casa, a minha casa, a casa de cada um de nós é o abrigo e o refúgio seguro para onde convergimos depois de um dia de trabalho ou em que compartilhamos bons momentos com nossos amigos e parentes.

Mas a aquisição da casa própria coloca-se para além do plano afetivo no contexto atual. Sem dúvida, garantir moradia para o cidadão deve, hoje, ser visto como uma questão de Estado, a ser tratada como prioridade pelo conjunto da sociedade.

Se não envidarmos esforços no sentido de combater o déficit de moradias no Brasil e nas demais economias emergentes, teremos como resultado provável degradante e desumano processo de favelização nos núcleos urbanos, sobretudo das cidades de médio porte e das capitais, para onde tende a haver vetor migratório mais significativo.

O déficit de moradia é resultante de característica marcante da sociedade globalizada, porque, ao longo do século 20, o mundo tornou-se mais urbano que rural. De acordo com o relatório das Nações Unidas UN-Habitat, para o biênio 2006/2007, pela primeira vez o número de pessoas vivendo nas cidades superou o número de pessoas moradoras do campo.

Esse fluxo migratório, no lugar de proporcionar melhores condições de vida, tem provocado o aumento de favelas nas metrópoles a ponto de mais de 1 bilhão de pessoas já viverem nessas condições em todo mundo. Portanto, hoje, garantir acesso à moradia digna revela-se um dever de Estado e condição fundamental para garantir o gerenciamento do espaço urbano. Se o Estado não se antecipa na delimitação dos possíveis cenários para a expansão urbana, com o estabelecimento de diretrizes para suprir o déficit habitacional, a qualidade de vida da população deteriora-se de forma significativa. As cidades, por sua vez, tornam-se desiguais e injustas.

Nesse contexto, o Distrito Federal não é exceção. O déficit habitacional da região Centro-Oeste é menor quando comparado às demais regiões do país, mas isso deve ser usado como vantagem para que, com planejamento, os governos possam atender às demandas da população, tanto do Distrito Federal quanto do Entorno. Ainda há tempo de se evitar aqui processo de metropolização injusto e distante da sustentabilidade, desde que o governo continue à frente do processo e em favor da legalidade e da legalização.

Colocam-se como desafio para o governo a superação do déficit habitacional e a organização do espaço territorial por meio de um plano de ordenamento capaz de antever as necessidades não só das classes menos favorecidas, mas também da classe média e, em particular, dos servidores públicos. Quando se promove a distribuição de lotes à população mais carente ou se criam condições favoráveis para a aquisição da casa própria, o governo estimula o crescimento ordenado e sustentável do Distrito Federal com fulcro na organização do espaço urbano e na legalidade da ocupação das terras.

O Programa Minha Casa, Minha Vida vem ao encontro das necessidades dos cidadãos de diversas regiões administrativas do Distrito Federal, que já estavam inscritos em programas anteriores ou reúnem as condições para fazer a inscrição na Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab) para receber um lote e garantir o acesso à casa própria. Ao oferecer essas novas oportunidades aos brasilienses, o Governo do Distrito Federal, por meio da Secretaria de Habitação e da Codhab, sintoniza-se com as diretrizes preconizadas pelas Nações Unidas e luta para evitar que o Distrito Federal venha a sofrer um processo de favelização ou de expansão urbana desordenada.

Voltada para as necessidades da população, a Secretaria de Habitação quer ter a certeza de que, gradativamente, cada cidadão brasiliense poderá realizar o sonho de ter a própria casa, porque, parodiando o mestre Pessoa, a sua casa, a minha casa, a nossa casa pode não ser a mais bela das edificações,