Título: Governo já trabalha com cenário de desaceleração mundial prolongada
Autor: Barbosa, Flávia; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 06/08/2011, Economia, p. 34

TREMOR GLOBAL: Analistas não esperam recessão, mas sim esfriamento

Para manter descolamento, Brasil terá que adotar medidas de estímulo

Flávia Barbosa, Geralda Doca e Vivian Oswald

BRASÍLIA. A economia mundial terá um grande período de crescimento baixo, puxado pelos desempenhos medíocres dos Estados Unidos e da União Europeia. Neste cenário - considerado o mais provável hoje por governo, consultorias e indústria -, o Brasil terá de continuar calibrando as medidas cambiais, de defesa comercial e de estímulo à economia para reforçar o "cordão de isolamento" ao qual o ministro da Fazenda, Guido Mantega, se referiu esta semana, para preservar uma taxa de crescimento entre 3% e 4% em 2011 e 2012.

- Acreditamos que, atualmente, o cenário mais provável é o de desaceleração do crescimento mundial. Por isso já taxamos as operações de derivativos e anunciamos a nova política industrial, para conter a valorização do real e estimular o mercado doméstico - afirmou ao GLOBO o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa.

Diante dos últimos desdobramentos e das sinalizações das lideranças políticas, analistas e governo acreditam que uma recessão nos dois motores globais - Estados Unidos e Europa - não é a principal probabilidade. Os EUA deverão evitar uma deterioração da confiança de empresas e consumidores e a UE tende a abortar o colapso de mais economias - notadamente Itália e Espanha - e uma crise financeira e bancária.

Mas as políticas de corte de gastos americana e europeia - que impedem que os Estados sejam indutores da atividade - reduzirão bastante o crescimento destas economias, que desta forma vão demorar a se recuperar de uma crise que começou em 2008. É a chamada recuperação em "L". A consultoria Austin Rating projeta crescimento dos EUA entre 1% e 1,5% este ano e o da UE, de até 1%.

- O cenário externo é de letargia econômica nos Estados Unidos e grande preocupação nos canais de financiamento da Europa, o que se traduz em crescimento bastante baixo - explica Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.

Expectativa de valorização cambial e protecionismo

Precisando de mercados alternativos para ganhar dinheiro, investidores inundariam o restante do mundo com capitais, forçando a valorização das moedas nacionais, especialmente dos emergentes, e a especulação com ativos como petróleo e commodities agrícolas. Como as nações ricas vão buscar uma recuperação pelas exportações, pode haver surto de importação nas demais nações e o protecionismo deve ganhar corpo.

- O cenário mais provável é continuarmos com um crescimento medíocre nos países desenvolvidos e nada mais. A liquidez internacional permanecerá abundante e políticas mitigatórias da apreciação cambial em vários países emergentes vão se generalizar. Os emergentes desaceleram e a China não poderá exercer papel anticíclico - avalia Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco.

Com o mundo mais devagar, o Brasil também crescerá em ritmo mais lento, "mas a demanda interna continuará aquecida", explica o economista Aurélio Bicalho, do Itaú Unibanco.

- Esperamos um crescimento de 3,5% a 4% para o Brasil ano que vem. Um cenário mais negativo pode chegar a 2,5%. Mas não trabalhamos com este cenário - disse Agostini.

Raphael Martello, economista da Consultoria Tendências, lembra que a balança comercial brasileira deverá sofrer com a demanda global menor por alimentos e metais (commodities). Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), acrescenta que o Brasil tende a sofrer cada vez mais com enxurrada de importações.

Um aperto na defesa comercial e medidas para o câmbio estão no cardápio do governo para evitar que o país se contamine e venha a desacelerar fortemente, com consequências para emprego, renda e arrecadação, diz Barbosa, da Fazenda.

A situação brasileira seria diferente se o segundo cenário mais provável se concretizar: a recuperação em "W" - um segundo mergulho dos EUA e da UE na recessão, após a retração de 2009. Este cenário pode ocorrer se a ausência de estímulos fiscais (devido aos planos de corte de gastos) e a limitação da política monetária - as duas regiões já estão com juros baixíssimos - reforçarem a crise de confiança de empresas e consumidores.

Outro canal para a recessão seria a demora excessiva das autoridades europeias em decidir bancar a operação de resgate da economia do bloco, que poderia levar a uma crise financeira e bancária, num efeito semelhante ao da quebra do Lehman Brothers, três anos atrás.

Dilma: país está mais bem preparado contra crise

Octavio de Barros descarta por completo esse cenário:

- Não faz o menor sentido comparar a turbulência atual com 2008. Estamos assistindo apenas e tão somente a ausência de vetores de crescimento nas economias maduras e não uma crise sistêmica.

Mas Rogério Mori, professor de macroeconomia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), discorda:

- Existe um risco concreto de os desenvolvidos embarcarem em uma nova recessão. A UE não tem situação favorável porque alguns países não conseguem equacionar suas dívidas a curto prazo e os EUA foram muito expansionistas, mas o acordo aprovado mostra que serão justamente o contrário a partir de agora, com cortes importantes.

O Brasil, neste caso, teria de sacar as armas de 2008 para segurar seu crescimento, como disseram Mantega e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, esta semana. As ações vão do uso das reservas internacionais (US$350 bilhões) para financiar exportadores ao incentivo para compra de carteiras de crédito e bancos médios.

Em Salvador, a presidente Dilma Rousseff disse ontem que o país está muito mais bem preparado para enfrentar uma crise mundial, porque tem reservas internacionais 60% maiores que em 2008. Segundo ela, é preciso proteger a indústria nacional:

- Não podemos deixar que eles (os outros países) venham aqui diminuindo o valor dos seus produtos, porque não têm onde colocar lá fora, e entrem aqui fazendo uma destruição dos nossos empregos.