Título: Saída de Jobim é página virada
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 06/08/2011, O País, p. 3

Saída de Jobim é 'página virada'

TROCA NO GOVERNO

Dilma tranquiliza militares e garante continuidade da atual política com Amorim

Jailton de Carvalho, Letícia Lins, Geralda Doca e Evandro Éboli

A substituição de Nelson Jobim pelo ex-chanceler Celso Amorim no Ministério da Defesa provocou preocupação em alguns setores militares, mas os temores diminuíram após a decisão da presidente Dilma Rousseff de manter os atuais comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica. A permanência deles seria um sinal de que não haverá mudanças drásticas na política de defesa. Embora não tenham resistência a Amorim, alguns militares chegaram a comentar que temeriam que posições do ex-chanceler favoráveis à Venezuela de Hugo Chávez e ao Irã de Mahmoud Ahmadinejad pudessem afetar as linhas gerais de atuação das Forças Armadas.

Em conversas reservadas, esses militares manifestaram receio, ainda, de que a troca na Defesa deixasse em segundo plano os limites ao projeto da Comissão da Verdade, em tramitação no Congresso. Para tentar se antecipar a eventuais problemas dessa natureza, Dilma se reuniu com os comandantes Enzo Peri (Exército), Juniti Saito (Aeronáutica) e Júlio Soares de Moura Neto (Marinha) logo de manhã, e anunciou que permaneceriam nos cargos. Amorim recebeu de Dilma pedido para que, ao montar a equipe, evite preencher cargos com diplomatas, o que não seria bem-visto pelos militares.

Perfil nacionalista de Amorim agrada

Horas depois do encontro, em entrevista a quatro emissoras de rádio, no aeroporto Nilo Coelho, em Petrolina (PE), Dilma disse que a saída de Jobim é "página virada" no governo. Jobim entregou na quinta-feira sua carta de demissão depois que sua situação ficou insustentável, devido a críticas a outros ministros.

- Esse assunto é muito fácil de ser entendido pela população, que é o que interessa. O ministro Celso Amorim assume o Ministério da Defesa porque ele já deu mostras, no passado, de ser um brasileiro muito dedicado ao Brasil. Ele foi o responsável por uma política externa independente, que tem compromisso com o Brasil e coloca o país no mesmo patamar de qualquer outro país. Ninguém é melhor do que ninguém. Celso Amorim tem todas as condições de ser ministro da Defesa - disse a presidente.

Em seguida, Dilma acrescentou:

- Já no que se refere ao ministro Nelson Jobim, reconheço que fez um grande trabalho e a contribuição que deu ao país, na condução das questões da Defesa. Infelizmente nós esgotamos uma etapa, e por isso passamos e viramos a página. E estamos com Celso Amorim. Tenho certeza de que ele vai prosseguir o trabalho e vai acrescentar um reforço especial na medida do que temos que melhorar. A gente não pode nunca se contentar com o que já conquistou.

Após o encontro, oficiais ouvidos pelo GLOBO minimizaram a troca de Jobim. Para eles, ela se deu por "questões pessoais" entre o ex-ministro e Dilma, e não por necessidade de correção de rumos na Defesa.

- Esse é um cargo da escolha da presidente. Não cabe a nós militares tecer considerações sobre isso. Se houve descontentamento, foi da parte dela (com Jobim) - disse um dos mais influentes generais em atividade.

Para o brigadeiro da reserva José Carlos Pereira, que conversou com oficiais de alta patente das três Forças, a indicação de Amorim foi a melhor opção entre os nomes que circularam para substituir Jobim. Amorim é habilidoso e nacionalista convicto, o que agrada à área militar. As opiniões contrárias são isoladas, disse Pereira:

- A avaliação geral é que foi a melhor escolha, principalmente quando se olham os nomes que circularam.

Segundo um oficial, nas conversas entre militares predominaram opiniões simpáticas ao estilo de Amorim, considerado simples, educado e cordial.

- Ele viajou muito conosco e sempre falava com todos. Não era do tipo que parece alheio a tudo - disse um oficial da Aeronáutica.

Um dia após a queda de Jobim, era consenso nos quartéis que o problema foi pessoal, restrito ao ministro e ao Planalto. Não se fala em crise na Defesa e nem nas Forças e, portanto, o trabalho iniciado por Jobim deverá ter continuidade, pois se trata de uma política de governo em curso.

- Houve apenas uma inquietação nos níveis mais elevados da hierarquia militar, o que é natural nos processos de mudança. Com a confirmação de que os comandantes serão mantidos, o clima é de tranquilidade - afirmou o brigadeiro Pereira.

Pereira disse que as opiniões isoladas contrárias à indicação de Amorim são mais restritas ao pessoal da reserva, sobretudo no que diz respeito à condução da Comissão da Verdade. Contra essa análise, pesam outros argumentos que apostam na diplomacia de Amorim em tratar desse assunto.

Segundo o brigadeiro, as polêmicas geradas por Amorim na relação com outros países, como a aproximação com o Oriente Médio, tem a ver mais com uma orientação política. Já o fato de ele ter se colocado em muitas oportunidades em posição contrária aos interesses dos EUA faz parte do jogo diplomático, e não de manobra estratégica militar. Os militares, disse o brigadeiro, não veem relação entre Amorim e o ex-ministro da pasta José Viegas, que caiu ao enfrentar o Exército.

Ainda na entrevista para rádios de Petrolina, que é separada de Juazeiro, na Bahia, por uma ponte sobre o Rio São Francisco, a presidente Dilma foi cobrada também sobre a polêmica obra de transposição do rio. Ela negou que as obras estejam paralisadas, embora esta semana o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, tenha confirmado que cinco dos 16 lotes estejam paralisados.

A obra prevê a construção de dois eixos de um total de 622 quilômetros que deverão levar água do Velho Chico para Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco.

- A transposição não está parada. Há seis dias, havia quatro mil pessoas trabalhando. Então, não está parada. Tivemos de fazer ajustes. A obra foi iniciada com o projeto básico, mas o básico não dá todas as características de engenharia. No projeto executivo, apareceram túneis e outras obras não previstas - disse Dilma. E garantiu: - A transposição vai andar integralmente. A maioria está em andamento e, até agosto, todos eles estarão em obras.

Dilma antecipou que até o início de setembro anunciará uma política nacional de irrigação. Ela prometeu, ainda, a hidrovia do São Francisco.

(*) Enviada especial