Título: Devassa nos processos da juíza
Autor: Araújo, Vera
Fonte: O Globo, 20/08/2011, Rio, p. 14
SENTENÇA DE MORTE
DH foca investigação nas ações; só um PM réu responde a 14 autos de resistência
A resposta para o assassinato da juíza Patrícia Acioli, de 47 anos, morta em Niterói no dia 11, está nos processos que a magistrada tinha acabado de julgar ou ainda julgaria, como titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo. Essa é a aposta dos investigadores da Divisão de Homicídios (DH), que concentram esforços em três processos contra grupos de extermínio e milícias. Também estão na mira dos agentes dez dos 50 PMs processados em casos de autos de resistência (mortes em confrontos com a polícia). Entre os suspeitos, há três cabos da PM que se destacam. Parentes de Patrícia também acreditam que os assassinos sejam do 7º BPM (São Gonçalo) e do 12º BPM (Niterói). Os 21 tiros de pistolas 40 e 45, calibres usados pela polícia, que atingiram a juíza reforçam a tese de crime cometido por PMs - ou seja, as balas teriam sido pagas pelo próprio estado.
Desde junho deste ano, Patrícia decidira ser rigorosa com os autos de resistência dos policiais do batalhão de São Gonçalo. Cerca de 35% dos PMs de lá respondem a processos na 4ª Vara Criminal. O que mais tem autos de resistência é o cabo Hayrton de Mattos Ferreira (14 processos, de 2009 a 2011). Em seguida vêm os cabos Alex Ribeiro Pereira e Flávio Cabral Bastos, o Jacaré, com 13 e oito homicídios, respectivamente. Em boa parte dos processos, os três aparecem como tendo atuado juntos nos confrontos. Alex está preso; Hayrton e Flávio se encontram em liberdade.
No dia em que Patrícia Acioli foi assassinada, ela havia atuado numa audiência em que decretara a prisão preventiva de oito PMs, inclusive Alex. Os demais presos são: Carlos Adílio Maciel dos Santos, Sammy dos Santos Quintanilha, Charles de Azevedo Tavares, Jeferson de Araújo Miranda, Sérgio Costa Júnior, Jovanis Falcão Junior e Daniel Santos Benitez Lopez.
Processo contra milícia é analisado
A fama de ter "martelo pesado" - ser rigorosa - fez de Patrícia Acioli uma juíza temida pelos policiais, o que, para o investigadores, pode ser a resposta para o crime:
- Ela participava ativamente das investigações e das perícias. Isso fez com que Patrícia ficasse afinada com o Ministério Público e a Polícia Civil. Ela acreditava que alguns autos de resistência eram forjados - disse uma das pessoas que trabalhavam com Patrícia.
O antigo colaborador consta de uma lista de 12 pessoas marcadas para morrer, encontrada com o miliciano Wanderson Silva Tavares, o Gordinho, que atuava em São Gonçalo e foi preso no Espírito Santo.
Um dos processos que a DH também está analisando é sobre o grupo de Wanderson, conhecido como Bonde do Zumbi. O nome faz referência ao apelido do cabo da PM Alexsandro Horffamm Lopes (Zumbi), do quartel de Niterói. A milícia atuaria no bairro Santa Luzia, em São Gonçalo. O bando foi denunciado pelo Ministério Público por formação de quadrilha com o objetivo de praticar homicídios. Fazem ainda parte do grupo os PMs Christiam Brito Guimarães, Alecsandre Nazareth Baiense, Rogélio Acácio Ferreira e Fábio Gomes do Couto.
O segundo processo que está na mira dos investigadores é o de uma quadrilha de milicianos do bairro Luiz Caçador. Dois PMs vão ser julgados no próximo dia 16 de setembro: Dennys Almeida de Oliveira e Wagner de Souza e Souza (que está foragido). Além disso, consta do processo o ex-PM Felipe Augusto Wenderroscky Souza. Ele foi excluído da corporação, de acordo com o boletim da Polícia Militar de 1º de abril de 2009.
Um processo sobre a máfia do transporte alternativo que atua no Jardim Catarina também é alvo da Divisão de Homicídios. Nesse constam os nomes dos PMs Walnei Silva do Rosário e Adair Correia da Silva Filho, do bombeiro Luciano de Souza Inácio de Andrade, Edivan Belo da Silva, Luis Rogério Gregório, André do Vale Coelho, Felipe Alexandre dos Santos, do bicheiro Luís Anderson de Azeredo Coutinho e de Jonvane Reis. Este último, policial civil, está solto. O julgamento está marcado para o dia 10 de novembro.
O GLOBO analisou os processos e percebeu alguns fatos em comuns: além do uso de pistola calibre 40, alguns PMs apresentam como álibi o fato de estarem em serviço nos dias dos assassinatos. Em alguns deles, há documentos com a relação de serviço, o que fez com que a Justiça suspeitasse da existência de fraude. Outra prática comum é a execução de informantes da Justiça.
- A doutora Patrícia tinha um jeito todo especial para ouvir as vítimas. As pessoas se sentiam garantidas por ela. Com a morte dela, muitos ficaram desprotegidos, até os presos colaboradores - contou uma funcionária da Justiça.
Segundo depoimentos prestados por vítimas do Bonde do Zumbi ao Ministério Público, os criminosos tinham como prática intimidar e assassinar quem decidia colaborar com a Justiça. Foi o caso de uma colaboradora, que teve a casa atacada a tiros, pondo em risco a vida dela e de parentes. A família abandonou o imóvel e até hoje está desempregada. Ao depor, a testemunha foi encapuzada, pois temia até que os advogados vissem que ela tinha modificado sua aparência.