Título: Em nome da democracia
Autor: Vieira, Eduardo Eugenio Gouveia
Fonte: O Globo, 20/08/2011, Opinião, p. 7

As medidas de combate à corrupção levadas a cabo pelo governo federal mereceram apoio de nove senadores da República. Num país em que há pouco menos de 20 anos um presidente da República foi alvo de processo de impeachment que contou com os votos de 76 senadores, o contingente que se manifestou dias atrás em apoio à presidente parece reduzido. Estranhamente reduzido.

Nos últimos dias, analistas e observadores respeitáveis da cena política externaram sua apreensão quanto à governabilidade do país diante da contrariedade de integrantes da base aliada que sustenta a maioria governista no Congresso. Um argumento foi brandido de imediato: do jeito que o Executivo age, a impressão que passa à sociedade é de que detém o monopólio da ética e da virtude. Por isso, e apenas por isso, até aliados do Governo estariam desconfortáveis com o que se assemelharia a uma cruzada moral que teria o Legislativo como um de seus alvos.

Aqui e ali, pipocaram relatos acerca de eventual rispidez no trato da presidente com seus subordinados numa prova do quanto se veria comprometida a governabilidade diante dos arroubos presidenciais - éticos ou verbais. É quase como se a ética fosse também transformada em arroubo. Estranhamente também, este tipo de relato emerge no bojo do tal desconforto de algumas lideranças com a tal ação moralizadora que passaria a ideia equivocada de que a virtude é monopólio da mandatária da Nação e das ministras Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti. Até um apelido apareceu, em tom de chacota, indisfarçável em machismo e amargura: Meninas Superpoderosas.

Por alguma razão, tudo isso faz lembrar a famosa frase de Churchill. Aquela, tantas vezes repetida, de que a democracia é o pior de todos os sistemas de governo à exceção de todos os outros. De fato, a democracia é imperfeita, mas até hoje nada se provou melhor. Se o raciocínio é de que a governabilidade estará comprometida diante de um combate tenaz e intransigente à corrupção, o que se deseja então para o Brasil? Volta e meia, um instituto de pesquisa divulga a opinião do Brasil sobre ética. A conclusão invariável é de que os níveis de tolerância à corrupção ainda são elevados. Teses acadêmicas foram escritas sobre o assunto.

O que fazer quando pessoas íntegras, bem-intencionadas, expõem sua preocupação com a governabilidade? Talvez concordar - sim, é possível que a governabilidade seja comprometida. Se os braços forem cruzados, se todos aceitarem como realidade imutável que é impossível evitar um pouco de corrupção aqui ou ali para contentar grupelhos incrustados no Estado e que dele se locupletam há anos, se teses fatalistas, se apelidos machistas, se atitudes conformistas prevalecerem, é possível que a governabilidade seja comprometida.

Por outro lado, se a sociedade se manifestar, se o apoio ao que foi denominado "faxina" (alcunha infeliz que remete ao populismo janista) for alvo de manifestações crescentes, se aos nove senadores da República que prestaram sua solidariedade à presidente somarem-se empresários, cientistas políticos, veículos de comunicação, formadores de opinião em geral, é possível que o Brasil esteja apto a completar a travessia para uma sociedade mais inclusiva do ponto de vista socioeconômico, herança dos acertos das políticas implementadas desde o Governo Itamar Franco, e ética a partir de uma ação firme e intransigente de combate às malfeitorias que por tantos anos foram varridas para debaixo do tapete em nome da governabilidade.

Muita gente boa defendeu à luz do dia como algo razoável fazer vista grossa a esta ou aquela quadrilha instalada em tal ou qual órgão de Governo. Em nome de quê? Da governabilidade. Ao menos talvez haja chegado o momento de lutar para reabilitar democracia e governabilidade, mostrar que se trata de conceitos e formas acopláveis e compatíveis. E contribuir para que a democracia no Brasil deixe de ser a plantinha tenra de Otávio Mangabeira para se fortalecer e vicejar, apesar de todas as suas imperfeições.

A Firjan entende que fará sua parte ao lançar um manifesto dos empresários brasileiros em apoio às medidas de combate à corrupção do Executivo. Em nome da democracia. Em nome da governabilidade presente e futura. Em nome do Brasil.

EDUARDO EUGENIO GOUVÊA VIEIRA é presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).