Título: Amapá, terra fértil em fraudes com dinheiro público
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 16/08/2011, O País, p. 9

ESCÂNDALOS EM SÉRIE

Em oito anos, estado assistiu a 39 operações da PF, com 308 presos

BRASÍLIA. A Operação Voucher levou 36 pessoas acusadas de corrupção ao Instituto de Administração Penitenciária de Macapá, pôs em xeque o mandato da deputada Fátima Pelaes (PMDB), mas nem por isso alterou a rotina da população local. O Amapá já parece se acostumar a ser alvo de operações da Polícia Federal. De 2003 até o momento, a PF realizou 39 ações de combate ao desvio de verbas da saúde, da educação, e de obras, entre outras, em Macapá e adjacências.

As operações, algumas entre as mais impactantes da polícia, resultaram na prisão de um número recorde de pessoas. Nos últimos oito anos, foram detidos 308 políticos, servidores públicos e empresários acusados de fraudes com dinheiro repassado pelo governo federal. Os dados foram compilados por dirigentes do PSOL local. A última incursão da polícia em nichos de corrupção no estado aconteceu há menos de um ano. Cerca de 75% da economia do Amapá gira em torno de verbas públicas.

Deflagrada uma semana antes do primeiro turno das eleições, a Operação Mãos Limpas resultou na prisão do governador Pedro Paulo (PP), em pleno exercício do cargo; do ex-governador Waldez Goes (PDT) e do presidente da Assembléia Legislativa, Jorge Amajás (PSDB), entre outros influentes políticos da região. O ex-governador João Capiberibe (PSB) também teve o mandato de senador cassado em 2005 depois de ser acusado de compra de votos.

O senador Randolfo Rodrigues (PSOL-AP) diz que o alto grau de corrupção dos poderes públicos não é uma exclusividade do Amapá, mas reconhece que no estado o problema, de fato, é grave. Historiador por formação profissional, Rodrigues argumenta que desvios de conduta têm origem nas elites que se apoderam do estado ao longo de sua formação. O isolamento geográfico também teria ajudado a reforçar a sensação de que ninguém seria punido por mais tosco que fossem os crimes.

- Criou-se aqui uma cultura muito forte de se misturar o público com o privado, e muitos se valem da impunidade em torno disso - afirmou o senador.

Um dos primeiros políticos atingidos numa investigação por corrupção foi o ex-prefeito de Macapá João Henrique Pimentel. Ele era do PT na época e agora está no PR. Pimentel foi um dos presos na Operação Pororoca, em 2004. Entre os detidos estava o secretário de Saúde. Desde então, outros dois secretários de Saúde foram detidos e nem assim a sangria aos cofres públicos foi estancada. Até hoje as obras do Hospital Metropolitano, iniciadas em 2001 e de crucial importância para a população mais pobre, não foram concluídas.

O estado também sofre com obras inacabadas em estradas e portos, entre outras áreas. Macapá tem 450 mil habitantes, mas não dispõe de banda larga. A telefonia celular local funciona de forma precária. A promessa do governo é instalar a banda larga a partir de 2012. Mas moradores locais veem o programa com desconfiança.

Para o procurador da República Celso Leal, a corrupção no Amapá pode estar relacionada ao volume de verbas federais que abastece o estado. Ex-território, até hoje o Amapá sobrevive de investimentos públicos. Leal é um dos responsáveis pelo prisão de 36 pessoas na Operação Voucher, semana passada.

- O estado é muito dependente do governo federal. Talvez isso contribua (para corrupção) por ser um dinheiro fácil - disse o procurador.