Título: Até arame em vez de parafuso
Autor: Costa, Ana Cláudia
Fonte: O Globo, 29/08/2011, Rio, p. 13

Análise do Crea aponta improviso em bonde; falha no freio e superlotação podem ter causado acidente

GATILHO: um arame prende a tampa da caixa de óleo do eixo da roda do bonde

PERITOS DO Instituto de Criminalística Carlos Éboli analisam os destroços do veículo durante a perícia realizada para apontar as causas do acidente em Santa Teresa

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Uma falha no sistema de freio e a superlotação do bonde de Santa Teresa podem ter contribuído para o descarrilamento do veículo na tarde de sábado, que deixou cinco pessoas mortas e 57 feridas. A afirmação foi feita ontem pelo engenheiro Luiz Antônio Cosenza, coordenador da Comissão de Análise e Prevenção de Acidentes do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea). Ele acompanhou a perícia feita ontem por técnicos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) na composição acidentada. Na análise, técnicos do ICCE encontraram no sistema do bonde peças desgastadas e até mesmo um arame no lugar de um parafuso fechando a tampa da caixa de óleo do eixo da roda. A composição, depois de examinada pelos peritos, foi levada para a oficina, em Santa Teresa.

¿ A principal possibilidade para a causa do acidente foi um problema no freio. Pode ter havido vazamento de ar no sistema pneumático. É nítido que o freio foi acionado, mas não há marcas no trilho de que ele tenha travado as rodas. A superlotação agravou o acidente. Percebemos que há uma pastilha de freio gasta e um arame no local onde deveria haver um parafuso. Esse arame não causou o descarrilamento, mas mostra um desleixo com a manutenção ¿ disse Cosenza.

Veículo para 40 pessoas tinha 61

O presidente do Sindicato dos Ferroviários da Central do Brasil, Valmir de Lemos, diz não ter dúvidas de que o freio não funcionou:

¿ Vimos que o motorneiro acionou o freio, mas ele não funcionou. O material é muito antigo e não passa por manutenção.

Na manhã de ontem, peritos examinaram todo o sistema de freios do bonde tentando detectar o motivo do acidente. O coordenador do Crea disse que esta semana o conselho deve convocar as equipes responsáveis pela manutenção do bondinho para prestar esclarecimentos. O especialista afirmou, ainda, que não sabe se esse bonde havia passado por uma revisão recente:

¿ Queremos saber dos responsáveis técnicos como foi feita a manutenção dessa composição, uma das mais antigas, com cerca de 50 anos.

Presente no local da perícia, o presidente da Central ¿ empresa que administra os bondes ¿, Sebastião Rodrigues garantiu que todos os veículos passam por revisão semanal. Sem explicar o motivo pelo qual um pedaço de arame estava no local onde deveria estar um parafuso, ele disse que, na tarde de sábado, havia cinco bondes circulando e dois deles estavam na oficina em manutenção. Rodrigues confirmou que o bondinho estava mesmo com 61 passageiros enquanto a lotação máxima é de 40:

¿ Os bondes passam por manutenção semanal. Temos que aguardar o laudo da perícia para verificar a causa do acidente ¿ afirmou o presidente da Central, acrescentando que hoje terá uma reunião na Secretaria estadual de Transportes para verificar quando a circulação será novamente liberada em Santa Teresa.

Em nota, o governador Sérgio Cabral informou ontem que determinou à Secretaria de Transportes que ¿conduza um plano de modernização dos bondes¿. O texto diz ainda que Cabral lamenta o acidente e que aguarda o resultado da perícia para tomar as medidas cabíveis, de acordo com o laudo final.

A falta de manutenção no sistema foi lembrada ontem pela presidente da Associação de moradores de Santa Teresa, Elzbieta Mitkiewicz. Ela afirmou que no último dia 19 um bonde do tipo VLT (Veículo Leve Sobre Trilhos) deslizou no mesmo local em que uma professora morreu em um acidente, ocorrido em 2009. No próprio sábado, quando houve o descarrilamento que deixou cinco mortos, Elzbieta afirmou que uma peça se soltou do bonde número 03, também do tipo VLT.

¿ Isso foi uma tragédia anunciada. Venho enviando e-mails para o presidente da Central, avisando que não há manutenção nos bondes e ninguém me responde ou toma providências ¿ reclamou.

A presidente da Associação de Moradores de Santa Teresa disse ontem que sua filha ainda tentou, na tarde de sábado, entrar no bonde acidentado. Elzbieta contou que a jovem fez sinal e o motorneiro avisou que a composição estava lotada. Ela disse que o excesso de lotação acontece porque cada composição demora quase uma hora para passar.

Moradora de Santa Teresa há oito anos e usuária do sistema, a advogada Marilda Nunes, de 65 anos, contou que estava próximo ao local no momento do acidente. Ela reclama da falta de manutenção e do descaso das autoridades:

¿ Cheguei a ver a fisionomia do condutor. Ele fazia uma força enorme e gritava quando o bonde começou a descer a ladeira. Ele poderia ter pulado mas ficou, tentando segurar e salvar os passageiros ¿ disse a advogada.

A perícia no veículo que se acidentou durou toda a manhã de ontem. Um caminhão com guincho e uma retroescavadeira foram utilizados para desvirar a composição e colocá-la nos trilhos novamente. O deslocamento para a oficina só aconteceu por volta das 13h. O trânsito na Rua Joaquim Murtinho ¿ onde aconteceu a tragédia ¿ ficou em meia pista, durante toda a manhã, para a perícia e foi interrompido, por volta de meio-dia, para que o bonde fosse desvirado e colocado nos trilhos.