Título: No PT, dias de inquietação
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 25/08/2009, Política, p. 4

Uma aliança íntima com o PMDB convém a Lula e a Dilma se trouxer depois, de arrasto, o restante da base. Se for a senha para a debandada, não convém

O aparte ontem de Eduardo Suplicy (PT-SP), quando o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), discursava sobre Euclides da Cunha, é sintoma de que a Casa ainda não convive bem com a paz dos cemitérios instituída pelas decisões do Conselho de Ética. Sarney tem com ele a maioria interna, mas não tem a maioria externa. E essa assimetria gera instabilidade.

A assimetria incomoda também, e profundamente, o Partido dos Trabalhadores. Que busca um caminho para sair da tenaz, após ter dado os votos decisivos e arquivar os processos contra Sarney. A situação mais emblemática é a do líder, Aloizio Mercadante (SP). Ele explicou o recuo da semana passada (dissera antes que deixaria a liderança do PT) por ter recebido um pedido pessoal do presidente da República.

Na carta em que lhe solicita que continue líder, Luiz Inácio Lula da Silva aceita que Mercadante e a bancada mantenham a posição crítica ao establishment do Senado. E agora? O que os senadores do PT vão fazer com a missiva? Emoldurá-la e pregá-la na parede, como indaguei aqui na coluna de domingo? Ou seguir com as pressões pela ampla reforma política e administrativa do Senado?

A situação do PT tem sido objeto de ampla análise nas horas recentes. Se é ufanismo dizer que o partido nada sofrerá por causa do voto pró-Sarney, talvez seja catastrofismo imaginar que o petismo está à beira da hecatombe final. O que mais há na história brasileira recente são políticos e partidos cuja morte definitiva é anunciada com antecedência e que ressurgem, lépidos, logo adiante. Prudência, então.

O PT tem uma base firmada, de pelo menos 25% do eleitorado. É altamente duvidoso que esse ¿núcleo duro¿ do petismo abandone Lula e seu projeto, e tome a direção da aliança PSDB-DEM-PPS, só porque o PT se faz acompanhar de figuras complicadas da política brasileira. Olhando realisticamente, a ¿gordura ética¿ da legenda já foi queimada em 2005-06, e a perda não foi suficiente para desalojar a sigla do Palácio do Planalto.

Em 2006, o PT fez no segundo turno os mesmos três votos em cada cinco para a Presidência da República que fizera em 2002. Os eleitores que o haviam abandonado, eventualmente decepcionados com os escândalos, foram substituídos por outros, gratos a Lula pelos avanços econômicos e sociais. Nas duas ocasiões o percentual petista da sociedade brasileira manteve-se firme. E é provável que continue assim em 2010. Daí que Lula tenha no Acre minimizado a capacidade de a senadora Marina Silva (sem partido-AC) dividir o voto do PT.

Não é essa a dúvida. Ela está no risco de o pedaço não petista da base do governo encontrar outros caminhos, não opostos a Lula, mas não limitados à continuidade estrita. As pesquisas eleitorais estão aí. Mesmo que os números frios possam ser objeto de divergência, um ponto é comum: hoje o cenário governista está mais para a fragmentação do que para a consolidação. O que aumenta a inquietação do PT. E coloca uma interrogação sobre a garantia de que o PMDB vá ter a vice na chapa de Dilma Rousseff.

É verdade que há também interesses locais a considerar, mas a entrevista de domingo neste jornal com o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel deve ser vista atentamente. Uma aliança íntima com o PMDB convém a Lula e Dilma se trouxer depois, de arrasto, o restante da base. Se for a senha para a debandada, não convém.