Título: Limites do indizível
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Fonte: O Globo, 29/08/2011, Opinião, p. 6

"ASerbian film - Terror sem limites" queria questionar os limites da representação cinematográfica. E conseguiu. Ao exibir cenas de estupro de um bebê e de uma criança de 5 anos, produzidas por meio do uso de robôs e técnicas de montagem, a película (ou algumas de suas partes) foi censurada em diversos países. Acusado de violar o Estatuto da Criança e do Adolescente e de fazer apologia à pedofilia, o filme teve sua exibição proibida também no Brasil, por decisão judicial. Diversos críticos manifestaram-se contra a proibição, defendendo a liberdade de expressão artística e colocando em cena o horror à censura.

Evidentemente ninguém neste debate vai se posicionar nem a favor da censura, nem da pornografia infantil. A controvérsia é justamente se as imagens podem ser enquadradas na definição legal de "pornografia infantil simulada" do ECA (art. 241-C) e se o ato de suspender a exibição frente à denúncia e aos indícios de que o filme possa conter imagens ilícitas deve ser classificado como "censura". Mas e se as cenas não forem consideradas ilegais?

Os debates públicos e políticos que tenho acompanhado sobre "pedofilia" revelam que a repulsa e a condenação moral e legal do material pornográfico infantil não derivam apenas da violência perpetrada contra a criança abusada que aparece na imagem, mas também da poluição da representação ideal de infância, que pode ser violada mesmo em uma cena simulada. Se fantasias não podem ser confundidas com realidade e nem criminalizadas, isso não significa que não existam tentativas de controlá-las, ainda que esses esforços terminem por fazer proliferar o "fruto proibido" de maneiras inadvertidas.

É sabido que imagens de violência e do repugnante podem suscitar reações opostas - o que é particularmente pertinente em relação à pornografia infantil, tanto que parte significativa do horror atribuído a essas imagens é o fato de elas despertarem prazer e excitação sexual em muitas pessoas. O horror e o perigo associados às cenas mais polêmicas do filme talvez residam justamente na possibilidade de que, em vez de despertar terror, elas possam despertar algum tipo de excitação ou prazer estético. Afinal, quem pode controlar as reações e os sentimentos de cada um dos espectadores?

Uma questão que se pode colocar é: por que tantas imagens de violência podem ser cotidianamente colocadas em cena e outras não podem ser visualmente representadas sequer em um filme de ficção? As cenas de estupro de um bebê e de uma criança de 5 anos simuladas no filme parecem estar na ordem do tabu, do indizível, do obsceno, e não apenas da ilegalidade. Certamente, estão no extremo e no limite do horror e do representável, como queria o diretor de "A Serbian film" - que provavelmente não teria a mesma audiência se tivesse entrado silenciosamente em cartaz nos cinemas. Ao transformar o indizível em objeto de proibição e ao desencadear um amplo debate público, a não exibição do filme acabou por recolocá-lo em cena em outras arenas e de outras maneiras, talvez ainda mais excitantes.

LAURA LOWENKRON é doutoranda em antropologia da UFRJ e faz pesquisas sobre pedofilia e pornografia infantil.