Título: Bye, bye, Bangu
Autor: Bôas, Bruno Villas; Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 26/08/2011, Economia, p. 21

Ex-banqueiro sai da prisão após 3 anos e 11 meses. Procuradoria pede suspensão imediata da condicional

Oex-banqueiro Salvatore Alberto Cacciola, de 67 anos, está livre. O ex-dono do Banco Marka, condenado a 13 anos de prisão por crimes de gestão fraudulenta e desvio de dinheiro público, deixou ontem, às 17h30m, o Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, após cumprir três anos e 11 meses de prisão. Protagonista de um dos maiores escândalos financeiros do país e ex-foragido número 1 da Justiça, Cacciola deixou o presídio de camiseta branca e calça jeans, aparentando ter ganhando peso na cadeia e um pouco sorridente. Cruzou a pé a cancela do complexo de presídios, acompanhado do advogado, e entrou num Ford Fiesta preto que o aguardava na porta. Saiu sem falar com os jornalistas foi direto para a casa de seu irmão, o empresário Renato, no condomínio Nova Ipanema, na Barra da Tijuca.

Quase ao mesmo tempo em que Cacciola assinava sua documentação para sair do presídio ontem, o Ministério Público Estadual (MPE) ingressava com um mandado de segurança na Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio pedindo a suspensão imediata da decisão de conceder a liberdade condicional, que deve ser julgado apenas nos próximos dias. O benefício foi dado na noite de terça-feira pela juíza Natascha Maculan Adum Dazzi, da Vara de Execuções Penais (VEP) da Justiça do Rio. Além disso, o MPE entrou com recurso para reverter a decisão que concedeu a condicional, sob o argumento de que ele não pode gozar deste direito sem ter reparado o dano que gerou à União, conforme previsto em artigo do Código Penal que trata das regras para a condicional de um preso. O mesmo artigo prevê, contudo, exceção para presos que tenham "efetiva impossibilidade" de reparar os danos provocados. E aí começam as polêmicas.

Quando estourou o escândalo do Marka, em janeiro de 1999, Cacciola tinha apartamento no luxuoso condomínio Golden Green, na Barra. Tinha ainda um BMW, um helicóptero, um barco e uma mansão em Angra dos Reis. Naquele ano, o Marka e outro banco, o FonteCindam, apostavam na estabilidade do real, enquanto os demais se prepararam para a alta do dólar. O banco tinha contratos de venda no mercado futuro de US$1,2 bilhão, valor igual a 20 vezes o seu patrimônio. Com a maxidesvalorização do real, o Marka não conseguiu honrar compromissos e pediu ajuda ao Banco Central (BC), por meio de Luiz Bragança, amigo de Francisco Lopes, então presidente da instituição. O BC socorreu os dois bancos vendendo dólares com cotação abaixo do mercado.

Naquele mesmo ano, depois do socorro, o patrimônio de Cacciola começou a ser dilapidado: vendido ou transferido para parentes. O patrimônio conhecido de Cacciola no Brasil atualmente, portanto, se resume ao que ele carregou do presídio: livros, por exemplo. Segundo cálculos do Ministério Público, os prejuízos de R$1,6 bilhão causados pelo resgate do Banco Marka e FonteCindam, em 1999, chegariam atualizados pela inflação a R$2,986 bilhões.

No exterior, contudo Cacciola ainda é proprietário de um luxuoso hotel quatro estrelas em Roma, o Fortyseven, que tem diárias de 400 por uma noite na suíte de luxo. O hotel é tocado por seu filho, Fabrizio. Cacciola assumiu o hotel no período em que ficou foragido sete anos em Roma, onde viveu protegido por sua dupla cidadania - é italiano naturalizado brasileiro. Ele fugiu do Brasil após ser beneficiado por um habeas corpus, em 2000. Foi novamente preso apenas em 2007, pela Interpol, a polícia internacional, no Principado de Mônaco, onde foi passar o fim de semana com a namorada, a advogada gaúcha Mirela Hermes.

Segundo o advogado do ex-banqueiro, Manuel de Jesus Soares, a questão do reparo dos danos não impede a liberdade condicional de Cacciola.

- Esse ressarcimento só é exigível quando houver uma condenação no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça. É outro departamento - afirma Soares. - Cacciola vai cumprir rigorosamente os termos do livramento judicial. Não existe possibilidade de fuga. Isso está descartado.

Populares gritam na saída: "Ladrão"

Cacciola cumpria pena desde fevereiro deste ano no Instituto Penal Plácio de Sá Carvalho, após obter o semiaberto - regime no qual pode visitar familiares e trabalhar fora da prisão, o que nunca fez. Ele estava acompanhado de quatro pessoas, entre elas o advogado Soares.

No lado de fora do presídio, curiosos ficaram aguardando o ex-banqueiro sair da prisão e gritaram "ladrão" em coro. Familiares de outros presos perguntavam "cadê o Cortez", referindo-se ao personagem interpretado por Herson Capri na novela "Insensato Coração", em parte inspirado na história do ex-banqueiro.

Familiares de Cacciola não apareceram em Bangu. Segundo agentes, a namorada Mirela teria passado pelo presídio, o que não foi confirmado. E, diferentemente do que aconteceu em 2000 - quando, libertado por um habeas corpus, Cacciola saiu de carro da prisão em alta velocidade -, o motorista dele ontem não tentou despistar a imprensa, avançar sinais e nem cometeu infrações de trânsito. O carro seguiu pela Avenida Brasil, Linha Vermelha e Linha Amarela, até a Barra. Agora, terá que, de três em três meses, "bater ponto" na Justiça e não poderá sair do estado sem autorização prévia.