Título: Da faxina à reforma
Autor: Côrtes, Gilberto Menezes
Fonte: O Globo, 26/08/2011, Opinião, p. 7

A presidente Dilma iniciou faxina no Ministério dos Transportes. Teve de estendê-la à Agricultura e ao Turismo. Já era tempo de a PF, o MP e a Justiça agirem. As maracutaias corriam à solta no Dnit, que gerencia investimentos federais em obras com os impostos dos brasileiros. Em vez de estradas e ferrovias seguras ligando aos centros urbanos e a portos ágeis, eficiência só em desvios, aditivos e superfaturamento até 30%, apontados pelo TCU.

Se as obras não andam como deveriam, que pare a ladroeira. Na serra, no planalto e no litoral. A população rala cinco meses para pagar impostos. Quer educação, saúde, segurança, saneamento básico, serviços de qualidade. E respeito de todas as instâncias de governo! Dilma quer acabar os malfeitos. Ótimo! Para tal, cabe reformar o modo de contratar obras públicas no Brasil.

Se continuarem só apoiadas em toscos projetos básicos ou sem projetos executivos sérios que detalhem as várias etapas/partes, podem estar "dentro da legalidade formal", como alegou o ministro Pedro Paulo Passos. Para festa de empreiteiros (e políticos amigos), o valor das obras (federais, estaduais ou municipais) licitadas desta forma é calculado no escuro quando da contratação. Sempre haverá necessidade de aditivos, alguns justos para contornar os imprevistos e outros nem tanto. O plus que irriga campanhas.

Em país sério, empreendimentos públicos ou privados são precedidos de estudos consistentes e qualificados de viabilidade técnica, econômica, ambiental e bons projetos de engenharia, para que as obras corram com rapidez e um mínimo de imprevistos. Aqui, qualquer coisa "vestida" de estudo/projeto, mas sem substância ou qualidade, atende às formalidades da Lei de Licitações e já não configura o ilícito. Aí mora o perigo: o céu é o limite.

Sob o viés da urgência, muitas concorrências induzem, com preços tetos bem baixos e prazos limites insuficientes, à execução de um trabalho, embora legal, inconsistente. Os custos dos trabalhos de consultoria são menos de 2% num estudo que inclua impacto ambiental e influência econômico-social na região (caso de hidrelétricas da Amazônia e refinarias da Petrobras, em Itaboraí-RJ e PE). Em comparação a trabalhos sem detalhamento qualificado, economizam de 20% a 30% na execução, operação, manutenção e despesas financeiras.

A reforma do Maracanã, de quase R$1 bilhão, foi contratada sobre projeto básico com 37 plantas e alguns anexos. Para executar as obras e também obter aprovação do empréstimo do BNDES, por exigência do TCU, o consórcio construtor - responsável pela elaboração de projetos requeridos para as obras - teve de recorrer a consultorias de engenharia para detalhar mais três mil desenhos e outros documentos executivos! A falta de detalhamento prévio se repete em boa parte das obras dos 12 estádios da Copa de 2014 e aeroportos e vias de ligação com as cidades-sede.

Grandes empresas e parcerias público-privadas costumam delegar ao construtor fazer o projeto executivo, paralelo à obra. Mas contratam-na em regime de preço global: o construtor corre riscos nas alterações de quantidades e serviços necessários. Bem distinto do regime de obra pública contratada sobre projeto (básico ou executivo) inconsistente, e em regime de empreitada a preço unitário (o risco de quantidades e serviços efetivamente necessários é do governo). Há aditivos lícitos e ilícitos. Estes engordam os bolsos dos empreiteiros e dos gestores públicos coniventes, e sangram o do contribuinte. Para 2014 muito já está tudo comprometido. Para 2016 ainda daria tempo.

GILBERTO MENEZES CÔRTES é jornalista.