Título: Sem mágica para o euro
Autor: Durão, Mariana
Fonte: O Globo, 17/08/2011, Economia, p. 21

França e Alemanha propõem "governo econômico" e imposto financeiro, mas não dão detalhes

Oencontro entre o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e a chanceler alemã, Angela Merkel, ocorreu ontem cercado de expectativas, devido à preocupação dos mercados com a crise da dívida na zona do euro. Os dois líderes não anunciaram medidas de impacto, mas apresentaram propostas para tentar fortalecer a economia da região - sem eurobônus, pelo menos por enquanto. As principais propostas são a criação de "governo econômico da zona do euro" e de um imposto sobre transações financeiras.

- Na situação atual há razões objetivas e, por conseguinte, rumores e especulações. Temos a determinação de combater esse fenômeno, bem como de colocar a zona do euro novamente no caminho do crescimento - afirmou Sarkozy.

O "governo econômico" seria formado por um conselho de chefes de Estado e de governo, que se reuniria duas vezes por ano. Seu presidente seria eleito, com mandato de dois anos e meio. Para o primeiro ocupante do cargo, Sarkozy e Merkel propuseram Herman Van Rompuy, atual presidente do Conselho Europeu.

Os detalhes do imposto sobre transações financeiras devem ser anunciados no mês que vem. Sarkozy e Merkel não deram pistas sobre como seria esse imposto, mas ele poderia se inspirar na chamada Taxa Tobin, cuja proposta era taxar, a uma alíquota muito pequena, as movimentações internacionais de capital.

- Criar um título único ou taxar transações financeiras são boas soluções de curto prazo. Depois é preciso resolver as questões estruturais para que os países da periferia voltem a crescer - disse ao GLOBO O economista Caio Megale, do Itaú.

França e Alemanha também querem que os 17 membros da zona do euro adotem uma "regra de ouro" para reduzir os déficits orçamentários. Ela teria de ser incluída nas Constituições dos países dentro de um ano.

Outra proposta é a unificação, por França e Alemanha, dos impostos incidentes sobre as empresas. Esse sistema tributário comum seria adotado até 2013, segundo o jornal britânico "Financial Times". Este seria um passo concreto para a harmonização fiscal na zona do euro - algo que, segundo analistas, fortaleceria a moeda única.

Já os eurobônus, defendidos pela Itália e pelo megainvestidor George Soros, ficaram fora da agenda.

- Muitos dizem que o último recurso são os eurobônus. Espero que a Europa não tenha de recorrer a uma varinha mágica para resolver seus problemas - disse Merkel.

O mercado aguardava medidas mais concretas. Um analista financeiro disse ao jornal francês "Le Monde" que esperava "ver alguém no comando da zona do euro".

Saída da região teria altos custos

O desgaste gerado pelo arrastado processo político em busca de uma solução para a crise de dívida na zona do euro colocam em xeque o futuro da união monetária. Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, o euro sobreviverá a essa crise, mas as soluções serão apenas paliativas se não passarem pelo estabelecimento de uma união fiscal, além da monetária. Embora o Tratado de Maastricht tenha estabelecido limites para o endividamento (60% do Produto Interno Bruto, PIB) e déficit fiscal (até 3% do PIB) dos 17 membros da zona do euro, na última década isso não foi respeitado, em parte devido às diferenças econômicas e sociais entre os países.

- Embora haja estruturas em comum, não há uma Lei de Responsabilidade Fiscal que imponha sanções a quem descumprir esses parâmetros. Numa união monetária você perde liberdade na política monetária e cambial e acaba lidando com baixo ritmo de atividade aumentando gastos. Isso acabou ficando entre disfarçado e permitido - disse Renato Baumann, professor da UnB.

Para Luiz Carlos Prado, do Instituto de Economia da UFRJ, só há dois cenários: maior integração ou desagregação total. Esta é apontada como improvável devido aos altos custos para os "desertores" do euro. Um retorno às suas moedas originais significaria forte desvalorização frente ao euro, o que dificultaria ainda mais pagar obrigações e captar recusos.

Além disso, juridicamente a possibilidade de retirada ou expulsão de um país da zona do euro é uma questão controversa. O Tratado de Maastricht, que instituiu a união monetária, não prevê cláusula de saída. Já a retirada unilateral da União Europeia (UE) passou a ser legalmente possível em 2009, mediante notificação prévia ao Conselho Europeu, segundo o Tratado de Lisboa. O conselheiro legal do Banco Central Europeu (BCE), Phoebus Athanassiou, afirmou, em artigo, que, embora válida, a saída de um país da UE iria contra a essência do projeto de unificação da Europa. E quem deixasse o bloco não poderia manter o euro.

Já a integração fiscal, tida como crucial, passaria pela criação de Orçamento e impostos comuns, além de unificação de dívidas e maior contribuição dos países centrais. O maior desafio neste caso é político, já que os governos desses países terão de convencer a população a aumentar sua contribuição para a estabilidade, enquanto as nações periféricas (de economia mais frágil) deverão reafirmar a necessidade de um aperto fiscal.

- O contribuinte alemão não se sente responsável pelos problemas da Grécia, mas, nos últimos anos, a Alemanha ganhou mercado pela união com países com produtividade menor e inflação maior - disse Prado.

No segundo trimestre, as economias da zona do euro e da UE registraram crescimento de apenas 0,2%, abaixo das projeções, de 0,3%. Em relação ao mesmo período de 2010, a expansão foi de 1,7%, contra estimativas de 1,8%. A desaceleração afetou a maior parte da região, com o crescimento da potência Alemanha despencando de 1,3% para apenas 0,1%. Já a França ficou estagnada.

- O crescimento pode virtualmente estagnar no segundo semestre, e há ameaça de uma nova recessão - disse à agência Bloomberg News Martin van Vliet, economista sênior do banco ING.

(*) Com agências internacionais

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