Título: Panos quentes na crise
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 25/08/2009, Mundo, p. 24

Em visita a Brasília, chanceler do Equador afirma que a Unasul não vai colocar a Colômbia ¿no banco dos réus¿ por causa do acordo militar com os EUA. Celso Amorim rejeita comparação com cooperação entre Brasil e França na área de defesa

O ministro de Relações Exteriores, Comércio e Integração do Equador, Fander Falconí, encontrou-se ontem no Itamaraty com o colega Celso Amorim para tratar de assuntos bilaterais e de interesse regional, como a situação em Honduras, mas principalmente para acertar os detalhes da próxima reunião de chanceleres e presidentes dos países integrantes da União de Nações Sul-americanas (Unasul).

A instalação de sete bases americanas em território colombiano será o tema principal da agenda. A chancelaria colombiana confirmou ao governo equatoriano a presença do presidente Álvaro Uribe na reunião, que será realizada na próxima sexta-feira em Bariloche, na Argentina. ¿Não se trata de colocar ninguém no banco dos réus, mas de encontrar soluções¿, enfatizou Falconí em coletiva coletiva ao lado do anfitrião. O ministro equatoriano espera que ¿os governantes possam atenuar a polêmica e buscar objetivos comuns¿.

O chanceler colombiano, Jaime Bermúdez, anunciou que seu governo está disposto a discutir ¿todos os temas¿ na próxima cúpula. ¿Que a região discuta abertamente o tema do armamentismo e a compra de armas, que se discuta o terrorismo e o narcotráfico, além dos acordos de cooperação com terceiros¿, disse Bermúdez depois de se reunir, em Santiago, com o colega Mariano Fernández. Uribe aceitou ser sabatinado em Bariloche com a condição de colocar outros temas na mesa, como as relações militares entre Venezuela e Rússia, ou entre Brasil e França.

Sobre isso, Falconí disse que ¿a posição do Equador é que não haja temas vetados, que todos os assuntos relacionados com a segurança sejam tratados nessa cúpula¿. Já Amorim ressaltou que não interpreta a curiosidade sobre o acordo militar Brasil-França como uma crítica velada de Uribe. ¿Ele tem desejo de saber e vai saber: nós não temos nada a esconder¿, afirmou. ¿Há uma diferença entre fazer um acordo de compra de equipamentos, ou até de treinamentos, e permitir a presença militar estrangeira em seu território, ainda que seja pelo objetivo declarado de combate ao narcotráfico e ao terrorismo na Colômbia¿, acrescentou o chanceler brasileiro.

Amorim também sugeriu que Colômbia e Estados Unidos ofereçam algum tipo de ¿garantia¿ de que as operações conjuntas previstas no acordo se limitarão efetivamente ao território colombiano. ¿Pedir garantias não é duvidar da palavra de ninguém¿, esclareceu, reconhecendo que talvez a Colômbia não esteja preparada para dar garantias na reunião de Bariloche.

Quanto ao convite feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente americano, Barack Obama, para que participasse de uma reunião com a Unasul para falar sobre as bases, Amorim disse que ainda não houve resposta da Casa Branca, mas anunciou que reforçará o convite quando conversar com a secretária de Estado Hillary Clinton. ¿Sempre é bom conversar, ressaltar a importância que isso tem para o relacionamento dos EUA com a América do Sul¿, declarou. Segundo o chanceler, o Brasil deseja que essa relação seja a melhor possível, sobretudo depois do ¿bom antecedente¿ da Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, ¿que criou um clima positivo¿.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, um dos opositores mais ferrenhos do acordo Washington-Caracas, reiterou que considera ¿impossível recomendar, aceitar que Uribe instale bases militares (americanas) na Colômbia¿, pois acredita que elas serão utilizadas pelos Estados Unidos para ¿conspirar¿ contra os países da região, ¿como fizeram em Honduras¿. Morales prevê ¿um duro debate, não apenas por um país (Colômbia), mas pela dignidade e soberania de toda a América do Sul¿. O governo boliviano insiste que não há acordo entre os países da região sobre qual posição assumir a respeito do acordo entre Colômbia e EUA, mas defende que as chancelarias poderão ¿buscar um acordo focado em frear qualquer base militar que haja na América do Sul¿.

Gestão por Zelaya Uma comissão de alto nível da Organização dos Estados Americanos (OEA) desembarcou ontem em Honduras para negociar uma saída pacífica para o impasse, que já dura quase dois meses, entre o presidente deposto Manuel Zelaya e o governo de fato instaurado pelos militares em 28 de junho. A delegação é chefiada pelo secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, e composta pelos chanceleres de Argentina, México, Costa Rica, Canadá, Jamaica, Panamá e República Dominicana. Eles vão reiterar a exigência de que Zelaya seja reconduzido ao poder, mas terão pela frente a resistência do governo provisório chefiado por Roberto Micheletti. A vice-chanceler Martha Lorena Alvarado disse à TV hondurenha que é ¿inegociável¿ o veto ao retorno do governante deposto, posição amparada em resolução tomada no fim de semana pela Suprema Corte.

Expansão chavista

RODRIGO CRAVEIRO

¿A uma m¿ se dá pouca atenção¿, afirmou ao Correio Alex Edgar Gonzalez, um empresário de 57 anos que mora em Bogotá. ¿Chávez crê que a compra de armamentos vai acabar com a fome de todos esses venezuelanos pobres¿, acrescentou ele. ¿Para escutar as baboseiras de Chávez, nos falta tempo. Ele parece um garoto que brinca um pouco com os amiguinhos da escola e fica feliz¿, afirmou uma mulher de 50 anos residente em Medellín. Dessa forma alguns colombianos se referiram ao presidente venezuelano, que fez no domingo mais uma declaração polêmica. ¿A burguesia colombiana tem medo que a voz de Chávez seja ouvida pelo povo da Colômbia, por isso é preciso fazer tudo o que deva ser feito¿, disse o mandatário, após pedir à ministra da Informação, Blanca Eckhout, que ¿faça todo o necessário¿ para levar suas mensagens e pensamentos ao país vizinho.

As palavras de Chávez causaram indignação na Casa de Nariño, sede do poder em Bogotá. ¿O governo nacional repelirá todas as ações do projeto expansionista na Colômbia ratificado publicamente pelo presidente Hugo Chávez. De nenhuma maneira será tolerado que se insulte aos colombianos de bem¿, afirmou a chancelaria da Colômbia, por meio de um documento apresentado à Organização dos Estados Americanos pelo embaixador Luis Alfonso Hoyos. O imbróglio deve render discussões acaloradas na sexta-feira, durante a Cúpula da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). O encontro, sediado em Bariloche (Argentina), também servirá de púlpito para que os chefes de Estado do subcontinente manifestem suas opiniões sobre a instalação de bases militares norte-americanas no território colombiano.

Relatório O próprio líder venezuelano prometeu divulgar, durante a reunião, um relatório militar dos EUA que vai desmontar as ¿mentiras¿ que o governo colombiano pode apresentar. Segundo a agência de notícias espanhola EFE, Chávez exibiu o documento durante seu programa dominical de rádio e TV Alô, Presidente!. No texto, publicado pela Força Aérea norte-americana, as bases são chamadas de ¿localidades expedicionárias¿. Mas o encontro também promete ter outro protagonista de peso. O presidente boliviano, Evo Morales, alertou que haverá um ¿duro debate, não apenas por um país (Colômbia), e sim pela dignidade e soberania de toda a América do Sul¿. Em seu editorial, o jornal The Washington Post afirmou que ¿é muito fácil para o caudilho venezuelano colocar o governo Obama na defensiva¿. O texto, intitulado Vantagem, senhor Chávez, lembra que Chávez é um ¿fornecedor de armas avançadas para um grupo terrorista que tenta derrubar o regime democrático colombiano¿.

À espera de Ahmadinejad

A visita do presidente da República Islâmica do Irã, Mahmud Ahmadinejad, continua nas agendas diplomáticas do Equador e do Brasil. Os ministros Celso Amorim e Fander Falconí confirmaram o interesse dos dois países em receber o governante iraniano nos próximos meses, mas ainda não há data certa para o encontro de Ahmadinejad com os colegas Luiz Inácio Lula da Silva e Rafael Correa.

Ambos os chanceleres evitaram comentar diretamente a situação do ministro da Defesa indicado por Ahmadinejad para integrar o gabinete em seu segundo mandato. Ahmad Vahidi é acusado de envolvimento no atentado contra uma entidade judaica em Buenos Aires, em 1994, no qual 85 pessoas morreram. O Irã reitera que não teve envolvimento no ataque, mas a Interpol tem mandado de prisão contra Vahidi e outros altos funcionários do regime islâmico, entre eles o ex-presidente Hashemi Rafsanjani.

Falconí ressaltou que o interesse do Equador se concentra em temas de cooperação bilateral, em melhorar a cooperação em termos de conhecimento cultural e educacional, como também ampliar formas de financiamento. Amorim confirmou a vinda de Ahmadinejad, mas ponderou que é cedo para saber quem virá com o presidente ¿ mesmo porque o gabinete ainda não foi confirmado pelo Parlamento. ¿Obviamente, a questão das comitivas só será discutida mais tarde, pois dependerá dos temas a serem objeto de negociação¿, afirmou o ministro brasileiro.

A troca de visitas presidenciais entre Brasil e Irã está sendo preparada há mais de dois anos. A vinda de Ahmadinejad chegou a ser anunciada para o início de maio, um mês antes da eleição presidencial. A dois dias da data prevista, no entanto, o encontro foi adiado a pedido de Teerã. Na ¿mensagem pessoal¿ que dirigiu ao ¿amigo¿ Lula, o presidente iraniano renovou a intenção de visitar o Brasil ¿assim que possível¿, caso saísse vencedor. Assim que ele foi declarado oficialmente reeleito, a embaixada iraniana em Brasília anunciou que o Brasil será o destino de sua primeira viagem ao exterior. (VV)