Título: Boa promessa
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 30/08/2011, Economia, p. 24

O corte de gastos anunciado ontem pelo governo é menor do que a receita extraordinária que ele teve com os pagamentos do Refis e da Vale. O valor também é menos da metade da renúncia fiscal que o governo fez para ajudar a indústria. O ajuste de R$10 bilhões só pode ser entendido como uma promessa de que a Fazenda não vai, desta vez, aumentar mais ainda os gastos para enfrentar a crise externa.

O economista Fernando Montero, da Convenção Corretora, acha que cortar R$10 bilhões é o mesmo que evitar gastar um dinheiro que o governo recebeu a mais. Só a Vale pagou antecipadamente um imposto, que ainda estava em contestação, no valor de quase R$6 bilhões. Não gastar essa receita é o mais sensato, porque ela é do tipo que só acontece uma vez.

Mas isso não é um verdadeiro ajuste nas contas públicas. Este ano os gastos públicos são maiores do que os do ano passado; que já tinham aumentado em relação ao ano anterior. O superávit primário é feito basicamente em cima de elevação de receita.

Segundo Montero, as receitas aumentaram R$29,5 bilhões, em termos reais, quando se compara o bimestre junho-julho com o mesmo bimestre do ano passado.

O próprio governo anunciou que a arrecadação aumentou 13,98% de janeiro a julho, comparada com o mesmo período de 2010. Os impostos pagos pelo país no período foram de R$555 bilhões.

Ontem, o anúncio foi de corte de R$10 bilhões. Mas o governo calculou em R$24 bilhões o que deixará de arrecadar com o Plano Brasil Maior, pelos subsídios à indústria.

Durante o anúncio, ontem, o ministro Guido Mantega disse que o corte de gastos poderia abrir espaço para a queda dos juros, mas frisou inúmeras vezes que apenas quando o Banco Central achar adequado. Repetiu, para eliminar o ruído que ficou na semana passada com a notícia de que o BC estaria sendo pressionando por um conjunto de ministros a baixar os juros. A queda da taxa é desejável e necessária; só não pode ser decidida pelo ministro da Fazenda. Se ficar entendido que o BC decide sob pressão, isso pode elevar a expectativa de inflação.

O verdadeiro dilema do governo não é a taxa de juros, nem o tamanho do corte de ontem, mas como evitar as pressões que estão diante do Tesouro.

O primeiro impacto não dá para evitar, porque vem da fórmula aprovada para o salário mínimo de 2012: 14% de elevação. De acordo com o economista Raul Velloso, o reajuste do salário mínimo elevará em R$12,15 bilhões as despesas da União, já descontada a inflação.

Mas há no Congresso várias outras propostas que, se aprovadas, representarão impacto considerável. A emenda 29 aumenta o percentual de receitas vinculadas para a Saúde. A PEC 300 dá aumentos salariais a bombeiros e policiais civis e militares. Há o aumento do funcionalismo do Judiciário. Tudo isso junto é um rolo compressor sobre o Orçamento. Isso sem falar no risco de o Congresso aprovar o fim do Fator Previdenciário, cuja proposta é da base parlamentar e o próprio governo Dilma já defendeu.

Além desses problemas que podem se tornar concretos no futuro, o governo tem o passado que o condena: ele perdeu o melhor momento para o ajuste.

No gráfico abaixo, o economista Raul Velloso fez um cálculo da média do crescimento real do PIB em três anos - para tirar a sazonalidade - e da média do superávit primário de três anos. De 2005 para frente o resultado primário fica estagnado, enquanto o país acelera. Quando houve o salto, o governo deveria ter feito um ajuste sério. Fez o oposto: elevou gastos, maquiou dados, diminuiu superávit.

- No ano que vem haverá uma desaceleração das receitas por causa da queda do crescimento deste ano. As receitas estão aumentando agora porque no ano passado o crescimento do PIB foi forte. Há tributos, como Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido, que são pagos com defasagem - diz Raul.

Montero registra o esforço feito pelo governo: os gastos primários subiram 9% em 2010 e agora estão crescendo 4%.

Já Raul alerta para o fato de que nos últimos anos tem havido aumento explosivo de restos a pagar. O governo empurra despesas para o ano seguinte, mas isso não é ajuste verdadeiro.

Quando se olha dentro dos números deste ano o que se vê é: aumento forte da arrecadação, em grande parte com receitas extraordinárias. O governo continua elevando as despesas ainda que em um ritmo menor. Tem cortado em investimento, que não deveria cortar, e mantido dois projetos que podem virar bombas fiscais: trem-bala e Belo Monte. Ninguém pode dizer com segurança quanto vai se gastar em qualquer um desses dois projetos. Mesmo assim, eles são os projetos ícones do governo Dilma.