Título: Garantias essenciais
Autor: Moura, Walter José Faiad De
Fonte: O Globo, 30/08/2011, Opinião, p. 7

O governo federal americano inaugurou recentemente sua Agência de Defesa do Consumidor para Assuntos Financeiros. Para o sistema ianque de defesa dos consumidores, esse dia será sempre celebrado como a definição precisa de que a relação entre cidadãos e bancos é assunto de Estado, e os banqueiros não podem controlar exclusivamente as condições dos serviços financeiros.

Este esforço do governo dos EUA resultou do consenso entre os poderes Executivo e Legislativo, no sentido de que a falta de intervenção, fiscalização e acompanhamento dos serviços financeiros, relacionada com a perspectiva da proteção do consumidor, foi prejudicial para todos. A nova medida uniu democratas e republicanos, mesmo em tempo de acirrada batalha política.

A partir de agora, até a economia mais liberal do planeta está vinculada ao padrão de que bancos têm que respeitar pesos e contrapesos, ao oferecer serviços aos cidadãos, e que as práticas bancárias devem atender às expectativas reais e honestas de seus principais destinatários: os consumidores americanos.

Coincidência ou não, aqui no Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem a oportunidade de julgar, nos próximos meses, uma das práticas bancárias mais corrosivas que já afetaram os consumidores brasileiros. Há cerca de 20 anos, os bancos se aproveitaram dos planos econômicos anti-inflacionários (Verão, Bresser, Collor 1 e 2) e maquiaram os reajustes das poupanças para obter ganhos maiores. Para surpresa de muitos, os bancos se uniram e foram ao Supremo tentar rediscutir um assunto já liquidado, valendo-se do temerário argumento de que foram vítimas de uma determinação do Governo. Errado, porque eles agiram por conta própria e lucraram bastante com a aplicação de reajustes que diminuíam o valor real das poupanças brasileiras. Sem precisar saber matemática, se o valor saiu do bolso do consumidor só pode ter ido para outro lugar: o cofre do banco.

Tanto o Supremo quanto o Superior Tribunal de Justiça têm centenas de decisões consolidadas contra os bancos, mandando-os devolver o que colheram indevidamente. Foi comprovado por estudo sério do economista Roberto Luiz Troster que os bancos lucraram muito com tais operações e que têm provisionado todo o valor suficiente para pagarem as famílias.

Apesar de o Poder Judiciário ter sepultado o assunto, a aventura judicial dos bancos está contando com o apoio expresso da autoridade financeira federal, o Banco Central, além do Ministério da Fazenda. Eis a contramão: o Poder Público vem a campo para intervir em favor de bancos junto ao Poder Judiciário. É uma medida temerária que coloca em risco toda a confiança que os brasileiros depositam nos bancos, fator este que permitiu ao país atravessar a crise financeira sem sofrer tanto impacto.

O intento dos bancos deve ser arquivado, e os brasileiros devem continuar recebendo o que perderam. Se algo diferente acontecer, certamente nascerão decepção e desconfiança entre consumidores, fatores absolutamente nocivos à economia e à tendência mundial de que o Estado deve proteger e garantir aos cidadãos práticas bancárias justas.

WALTER JOSÉ FAIAD DE MOURA é advogado e secretário-geral do Instituto Brasileiro de Política de Direito do Consumidor.