Título: Faxina reduz investimento
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 27/08/2011, Economia, p. 29

CONTAS PÚBLICAS

Superávit da União chegou a R$11,2 bilhões e foi o melhor julho em 14 anos

O escândalo envolvendo denúncias de corrupção no Ministério dos Transportes - que já resultou na demissão de mais de 20 funcionários - deixou sua marca nos investimentos públicos, que caíram pela primeira vez em 2011. O investimento menor ajudou a União a fazer economia recorde para o pagamento de juros da dívida pública em julho e vai contribuir para o aumento do superávit primário (receita menos despesa antes do pagamento de juros) do governo este ano. A economia em julho do governo central (Tesouro, INSS e Banco Central), de R$11,2 bilhões, foi a maior para o mês em 14 anos. Com dinheiro extra em caixa, o setor público consolidado poupou R$13,8 bilhões no mês passado para pagar os juros da dívida pública, o maior desempenho dos governos e das estatais desde 2001, quando começou a série histórica do Banco Central.

Segundo técnicos da equipe econômica, apenas o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), um dos setores mais atingidos pelos escândalos, viu o pagamento de obras desacelerar 65,2% nos últimos três meses.

O volume de desembolsos do órgão foi de R$531,2 milhões em junho, antes do surgimento das denúncias. Em julho, caiu para R$389 milhões, desabando para R$185 milhões em agosto. Dados da Fazenda divulgados ontem mostram que os investimentos do Ministério dos Transportes - um dos líderes de desembolsos do Executivo e essencial para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - já vinham sofrendo desaceleração desde abril. Até maio, o total havia subido 31,6%, ritmo que passou para 20% em junho e 14% no mês passado. A dotação autorizada este ano para a pasta é de R$17,4 bilhões, sendo que só foram pagos R$6,8 bilhões até julho.

- Assim é fácil fazer primário - reconheceu um técnico do governo.

Economia supera a meta em R$26 bi

O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, não quis comentar o comportamento dos investimentos por órgão público, mas admitiu ontem, ao divulgar o superávit federal:

- Greves ou trocas de equipe podem afetar os resultados.

A moderação nas despesas do governo ao longo deste ano tem sido feita principalmente do lado dos investimentos públicos e é o grande segredo do superávit primário histórico de julho. Ele é superior aos R$779 milhões registrados no mesmo período no ano passado. O montante também está acima dos R$10,6 bilhões de junho. No mês, as receitas somaram R$77,8 bilhões e as despesas, R$66,6 bilhões.

Outra contribuição robusta para o resultado primário veio de receitas extraordinárias que entraram no caixa da União. Em julho, somente a Vale pagou R$5,8 bilhões depois de ser derrotada numa briga judicial com a Receita Federal. Além disso, o Refis da Crise - programa de parcelamento de dívidas tributárias vencidas - rendeu outros R$2,2 bilhões.

No acumulado do ano, o primário ficou em R$66,9 bilhões. Esse montante está bem acima da meta fixada pela equipe econômica para o período janeiro-agosto, que era de R$40 bilhões. Ou seja, uma folga de R$26,9 bilhões. Até junho, as receitas somaram R$471,3 bilhões, com alta de 20,9% em relação a 2010. Já as despesas atingiram R$404,3 bilhões, com alta de 11% na mesma comparação.

No acumulado até julho, os investimentos públicos, que vinham crescendo mais moderadamente até junho, caíram 2,4% e ficaram em R$24,5 bilhões. Augustin, no entanto, disse que espera uma reversão do quadro até o fim do ano:

- Ainda mantenho a expectativa de que isso (desaceleração dos investimentos) se altere.

Economista diz que resultado é artificial

Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, o resultado primário de 2011 não deve ser comemorado, pois o governo não pode contar sempre com receitas extraordinárias e fazer economia para superávit às custas de investimentos:

- O resultado é artificial. Não se trata de um superávit estrutural e, por isso, ele não se sustenta.

O superávit primário, porém, não foi suficiente para pagar todos os juros no mês. Faltaram R$5 bilhões para fechar o caixa - mas, em sete anos, nunca faltou tão pouco. Foi o menor déficit nominal para o mês nesse período.

Segundo os dados do BC, o país já economizou R$91,9 bilhões de janeiro até o mês passado: o correspondente a quase 80% da meta para o ano inteiro.

- Esse é um cenário mais confortável para as contas públicas - afirma o chefe do departamento econômico do BC, Túlio Maciel.

Nos últimos 12 meses, a economia representa 3,83% do Produto Interno Bruto (PIB). É o melhor desempenho desde outubro de 2008. Assim, a relação entre a dívida e o PIB caiu de 39,7% para 39,4% em junho.

COLABORARAM Cristiane Jungblut e Gabriela Valente.