Título: Especialistas criticam governo por recuar sobre mudanças em pensões
Autor: Roxo, Sérgio
Fonte: O Globo, 27/08/2011, O País, p. 4
Em nenhum lugar do mundo o sistema funciona como no Brasil, dizem
Sérgio Roxo, Geralda Doca e Cristiane Jungblut
SÃO PAULO e BRASÍLIA. Ao engavetar projetos dos ministérios da Fazenda e da Previdência que mudam as regras de concessão de pensão por morte, como revelou ontem O GLOBO, o governo está só adiando um problema, na avaliação de especialistas. Eles creem que as alterações terão que ser implantadas porque as condições atuais brasileiras para a obtenção do benefício estão desatualizadas em relação à realidade do mercado de trabalho e ao que é praticado em outros países.
- Quando a pensão por morte foi criada no século XIX, a mulher não trabalhava fora. Hoje, temos um outro cenário: 52% das mulheres trabalham fora. Esse benefício tem que ser reformulado algum dia - diz Wladimir Novaes Martinez, especialista em Direito Previdenciário.
Armando Castelar Pinheiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que o princípio do benefício está deturpado:
- A lógica (na época da criação do benefício) era que só o homem trabalhava e morria mais cedo do que a mulher. A pensão era pensada para proteger a esposa, que não teria mais como gerar renda depois da morte do marido. Essa coisa está completamente alterada.
Pinheiro lembra que as pessoas só se casavam uma vez, o que impedia que uniões fossem sacramentadas de olho em futuras pensões, como ocorre hoje.
Marcelo Caetano, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), frisa as diferenças entre as regras para a concessão de pensões no Brasil e no exterior:
- No Brasil, a reposição é sempre de 100%. Em nenhum lugar do mundo é assim. Geralmente é de 70%. Tem também o fato de se conseguir no Brasil uma pensão por morte sem carência nenhuma. Há pensões vitalícias concedidas para pessoas muito jovens. Outro ponto é a possibilidade de acumular pensão com aposentadoria - critica.
Martinez diz que governo deve tratar o tema da Previdência com "seriedade" e não se preocupar só com o impacto em sua popularidade e na de seus aliados, com mudanças que dificultem a obtenção de benefícios:
- O governo precisa levar mais a sério, mais tecnicamente e não politicamente, a questão da Previdência.
Na avaliação de Pinheiro, é função do governo mostrar à população que as mudanças são necessárias para evitar problemas no caixa da Previdência:
- O papel do político é convencer a população sobre o caminho que determinado tema deve seguir. Não se trata de desproteger (a população), mas focar a proteção naqueles que realmente precisam.
Os especialistas avaliam que as mudanças nas regras da concessão da pensão por morte só trariam impacto nas contas da Previdência no futuro, porque benefícios já concedidos não seriam alterados, de acordo com as propostas apresentadas. Porém, para Caetano, as alterações nas pensões produziriam mais impacto do que a mudança no sistema de Previdência dos servidores públicos, apontada como foco do governo:
- Os impactos são de longo prazo. Com certeza, a pensão por morte tem um impacto bem maior porque afeta todo mundo. A aposentadoria dos servidores atinge apenas os funcionários civis da União.
As centrais sindicais vão aproveitar o convite da presidente Dilma Rousseff para uma reunião na próxima segunda-feira para protestar contra o adiamento da discussão sobre o fim do fator previdenciário. Segundo o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o governo não cumpriu sua promessa de apresentar uma contraproposta para substituir o mecanismo. Na reunião, um dos itens da pauta é a redução de investimentos em áreas sociais como Saúde e Educação.
Relator do projeto que acaba com o fator previdenciário, o deputado Pepe Vargas (PT-RS) é pessimista quanto à votação do tema no Congresso. Para ele, não há consenso nem dentro do governo sobre qual a melhor alternativa. Ele criticou propostas vazadas por técnicos do governo, como aumento em sete anos do tempo de contribuição, afirmando que isso prejudica o trabalhador e não tem chance de passar na Câmara ou no Senado.