Título: O dilema da inovação: quando negociar é mais difícil que inventar
Autor: Batista, Henrique Gomes; Justus, Paulo
Fonte: O Globo, 28/08/2011, Economia, p. 36

Na disputa por patentes estão gigantes como ITA, PUC, Embraer e Petrobras

RIO e SÃO PAULO. O forte incentivo à inovação começa a trazer efeitos colaterais: a parceria entre universidades e empresas em pesquisa esbarra em como dividir royalties e patentes, pondo em posições opostas pesos pesados da indústria e do conhecimento. De um lado, o empreendedor que compra a patente quer gastar o mínimo possível, enquanto, do outro, o inventor quer que sua inovação o leve para o clube dos milionários. Mas a maior parte das universidades, apesar de reconhecer a existência de problemas, prefere manter as disputas no anonimato.

Reginaldo dos Santos, reitor do ITA, considerado por muitos o "MIT brasileiro", diz que há negociações cada vez mais complexas na hora de se dividir os resultados de algumas pesquisas. E há situações em que as negociações são mais demoradas que o normal.

- O que temos hoje são algumas disputas sobre os pagamentos de royalties com algumas empresas como Embraer, Petrobras e CPFL. Acreditamos em uma negociação amigável - disse. - Esses conflitos de interesses tendem a aumentar com o crescimento das parcerias. Isso é normal, ocorre em muitos países do mundo.

A Embraer afirmou, por meio de sua assessoria, que não comentará o caso, que está em negociação normal com o ITA. Helder Pires Bufarah, gerente da Divisão de Inovação Tecnológica da CPFL Energia, disse que não vê problemas nas negociações com as empresas. Já Carlos Tadeu Fraga, gerente-executivo do Cenpes - unidade da Petrobras responsável por pesquisa e desenvolvimento (P&D) - disse que a política da empresa é transparente e que, no geral, a universidade parte da divisão igualitária na negociação. A estatal destina R$460 milhões ao ano a P&D.

- Posso garantir que isso é um processo de aprendizado inclusive para a Petrobras. Estamos sempre abertos. Até o momento não recebemos reclamações ou sugestões.

O diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe, Segen Estefen, que viu os recursos de parcerias em pesquisa dobrar em cinco anos, diz que há empresários que acreditam que por financiarem uma pesquisa têm o direito de propriedade dos resultados. A solução é fazer bons contratos.

- Temos muita experiência nisso e começamos a divulgar nossa estratégia para outras universidades, como a UFPE.

Unicamp já suspendeu parcerias devido à divisão

Roberto Lotufo, diretor do Inova Unicamp, diz que a instituição já chegou a abortar parcerias com empresas que não aceitaram dividir propriedade. Já aconteceu também o contrário: uma empresa proibida de dividir concedeu 100% de uma patente à Unicamp, que em troca deu outras compensações.

- A negociação tende a ser pior com empresas que não possuem um setor específico de P&D. A boa notícia é que cada vez mais empresas o têm.

A PUC-Rio, lembra o professor José Ricardo Bergman, tem mais de cem contratos de parceria por ano e às vezes essa fonte de recurso gera mais dinheiro que as mensalidades dos alunos. Mesmo assim, há problemas.

- Isso é um aprendizado, muitas vezes envolve discussões intensas, delicadas, mas sempre chegamos a um acordo. Há empresas, como a Petrobras, que são um pouco leoninas em suas negociações - afirma.

Paulo Ignácio Fonseca de Almeida, da UFSCar, que licenciou mais de 20% de suas patentes - o dobro da média mundial -, quer aumentar o recebimento de recursos. E divide a responsabilidade pelos problemas:

- Não temos um ambiente desenvolvido de inovação no Brasil, nem por parte de empresas e nem de universidades.

Segundo Helena Tenório Veiga de Almeida, do BNDES - que todo ano destina US$200 milhões à inovação sem a necessidade de devolução dos recursos - , o tema é polêmico também em outros países.

- A lei estabelece que a divisão depende dos recursos aportados, mas recurso não é só dinheiro. Há conhecimento das universidades, dos pesquisadores, muita coisa intangível. As universidades e empresas estão aprendendo a precificar esse conhecimento - aponta.

Brasil é o 47º no ranking global de inovação

Para Isa Assef, presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação, em geral, as empresas levam vantagem quando negociam diretamente com os inventores, porque estão mais acostumadas a barganhar. Assim, muitas instituições de pesquisa deixam a negociação a cargo de intermediários.

- Há muitas disputas, algumas vão parar nos tribunais e outras são discutidas administrativamente. Isso porque um acha que pagou demais e outro acha que recebeu de menos - diz Valter Pieracciani, sócio-fundador da consultoria Pieracciani Desenvolvimento de Empresas.

Luiz Antônio Elias, secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - este termo foi acrescido ao nome da pasta neste mandato -, diz que o ambiente para parcerias público-privadas é muito bom. Além disso, há mais recursos, destinados com regras claras.

Segundo Elias, a inovação é uma prioridade no país, que ocupa a 13ª posição mundial na produção científica e apenas a 47ª no lista da inovação. Mas o investimento privado em P&D no Brasil, diz, equivale ao público, enquanto em Japão (cinco vezes), Coreia do Sul (três vezes) e EUA (2,5 vezes) a participação das empresas é muito maior.