Título: Precisa de empréstimo? Vá à lotérica
Autor: Oswald, Vivian; Valente, Gabriela
Fonte: O Globo, 28/08/2011, Economia, p. 35
Correspondentes de bancos já respondem por metade do crédito do país: R$394 bi
Sob o bombardeio de um projeto de lei do ex-ministro Ricardo Berzoini, apoiado pelos bancários, os 151 mil correspondentes dos bancos espalhados pelo país - papelarias, supermercados, açougues, vendas, lotéricas, cartórios, Correios, concessionárias de veículos - nunca tiveram papel tão importante e, sozinhos, já respondem por mais da metade do crédito concedido às pessoas físicas no país. É o que mostra estudo inédito preparado para O GLOBO pela Associação Brasileira de Bancos (ABBC). São cerca de R$394 bilhões injetados na economia sem passar por agências bancárias.
Apesar da falta de dados para comparar a evolução da participação do correspondente na concessão de crédito, o presidente da ABBC, Renato Oliva, atribui a alta no volume de financiamentos para pessoa física nos últimos cinco anos - de 7% para 16% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) -, em grande parte, ao aumento expressivo do número desses agentes, de 64,37% no período.
Segundo o Banco Central (BC), 94% da rede de correspondentes são operados por Banco do Brasil, Bradesco e Caixa Econômica Federal. A capilaridade é imensa: há mais de dez por 10 mil habitantes no Brasil (chega a 15 no Sul), contra 1,36 dos bancos formais (agências e postos de atendimento).
Pelos correspondentes da Caixa, por exemplo, hoje principal canal para a concessão de benefícios sociais à população, passam cerca de R$33 bilhões por ano, ou 146 milhões de atendimentos. O banco, por meio de comércio e lotéricas, responde por 71,1% dos pagamentos do Bolsa Família, 19% do INSS e 30 milhões de benefícios ao trabalhador (PIS, abono salarial e seguro-desemprego).
Dados inéditos do BC que estão sendo preparados para a presidente Dilma Rousseff no relatório "Inclusão Financeira" mostram ainda que 26% das contas bancárias são por intermédio dos correspondentes.
Hoje, 247 municípios brasileiros só contam com o correspondente: não há agências ou postos bancários. Só assim é possível garantir que nenhuma cidade brasileira esteja fora do sistema, pois o país tem 19,8 mil agências e pouco mais de 8 mil postos de atendimento.
- O número de pessoas que têm conta bancária no Brasil ainda é muito baixo. Qualquer possibilidade de incluir mais gente é importante, principalmente aquelas fora dos grandes centros e nas cidades mais pobres - diz Francisco Lopretado, professor da Unicamp.
Em 2000, segundo o BC, 1.522 municípios brasileiros não tinham nem agências nem correspondentes. Cinco anos depois, todas as cidades do país passaram a ter pelo menos um correspondente, ainda que não tenham um banco. Fontes do BC afirmam que, além de desenvolver as regiões, que passaram a receber o pagamento dos benefícios e transacionar recursos, os correspondentes ajudaram a reduzir as fraudes.
Em entrevista ao GLOBO, o ministro da Secretaria de Assuntos Especiais, Moreira Franco, defende a atuação dos correspondentes, que também estão sendo questionados no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo PPS com uma ação de inconstitucionalidade (Adin). Ele afirma que o serviço é um dos principais instrumentos de acesso da nova classe média ao sistema financeiro:
- Sem a estrutura dos correspondentes, os bancos não teriam como atender ao grande números de famílias que passaram a ter de usá-los.
Na Copa e nas Olimpíadas, serão agentes de câmbio para turistas
A capilaridade dos correspondentes se deu pela necessidade de sua presença em cidades menores ou mais afastadas, onde os bancos não veem interesse financeiro em manter agências, ou mesmo nos grandes centros urbanos. Neste caso, o objetivo é dar comodidade e aos clientes.
- Desde que eu descobri que posso fazer tudo pela lotérica, nunca mais fui a um banco. Agora, eles já estão fechados, e eu ainda estou no trabalho. Eles só abrem às 11h e os caixas diminuem no almoço - disse Deibson Barbosa, dono de uma van de lanches na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Em fevereiro deste ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou mudanças nas regras para a contratação dos correspondentes, aumentando suas atribuições e o número de estabelecimentos que podem prestar esse serviço. Mas também obrigou os bancos a se responsabilizarem por todas as atividades de seus agentes. Eles têm de seguir um padrão de qualidade no atendimento e encaminhar ao banco eventuais problemas não resolvidos. Correspondentes que trabalhem com crédito devem ter treinamento e certificação. Os bancos têm três anos para atender às exigências.
Em audiência no Congresso, o chefe do Departamento de Normas do BC, Sérgio Odilon dos Anjos, afirmou que a nova regulamentação dá transparência às funções do correspondente e mais responsabilidades aos bancos, além de melhorar os serviços:
- Eles se tornaram o principal canal de prestação de serviços de pagamento de contas e tributos e transferência de recursos. Realizaram mais de dois bilhões de transações em 2010, cerca de 36% do total.
E, na Copa de 2014 e nas Olimpíadas de 2016, alguns correspondentes bancários poderão agir como agentes de câmbio, para facilitar a vida do turista estrangeiro. São eles Correios, lotéricas, prestadores de serviços cadastrados no Ministério do Turismo, como agências e hotéis, e instituições autorizadas pelo BC.
Em fevereiro, o CMN abriu caminho para que essas instituições fizessem tanto remessas quanto compra e venda de moeda estrangeira, no limite de até US$3 mil por operação. Lotéricas e Correios já podiam atuar com câmbio, mas limitados à realização de remessas, enquanto prestadores de serviços de turismo só podiam comprar e vender moeda. O governo reconhece, porém, que esses estabelecimentos terão de receber treinamento para lidar com câmbio.