Título: Cruzamento entre público e privado põe ética de lado
Autor: Benevides, Carolina; Amorim, Silvia
Fonte: O Globo, 28/08/2011, O País, p. 10/11

Parlamentares de carona em jatinhos de empresas, lobby e agentes públicos sendo contratados pela iniciativa privada têm caminhado lado a lado com a corrupção

RIO e SÃO PAULO. Instrumentos legítimos do processo democrático estão tendo o uso deturpado para servir à corrupção. Essa é a constatação a que muitos estudiosos chegaram após analisar práticas cotidianas da vida política, como lobby, emendas parlamentares e doações para campanhas eleitorais. Se isso não bastasse, políticos pegando carona em jatinhos de empresas que têm relação com o governo e dossiês que propagam suposições como verdades têm se transformado em práticas corriqueiras.

- No Brasil, existe um cruzamento entre público e privado. Na questão do uso dos jatinhos, o Código de Ética é claro: parlamentares não podem voar em aviões de empresas, e recebem por mês quatros passagens aéreas. Então, o governo paga para que caronas não sejam necessárias. Mas, infelizmente, o 1º , 2º e 3º escalões ignoram o código, os donos das empresas se sentem à vontade para oferecer carona e todos alegam que não sabiam da proibição - diz David Fleischer, cientista político da UnB, que sugere uma medida simples para acabar com "o eu não sabia". - Cada ministério e as estatais poderiam ter uma espécie de ouvidoria de ética para garantir que todos estivessem cientes do código e zelassem por seu cumprimento.

Atividade legítima em diversos países, o lobby no Brasil é praticamente sinônimo de corrupção. Nos mais recentes escândalos no governo federal lobistas apareceram entre os suspeitos em esquemas de desvios de recursos. Para o professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Pralon Mancus, uma das razões dessa associação é a falta de regulamentação da atividade, garantida pela Constituição. Há 20 anos, tentativas de normatização aguardam definição do Congresso.

- O lobby é uma atividade como outra qualquer. Qualquer grupo de interesse pode marcar uma reunião com um tomador de decisão e apresentar seus pontos de vista. Mas, como em toda área, tem o lobby bom e o corrupto - explica Mancuso.

A regulamentação traria transparência e deixaria mais expostos os que agem de forma ilícita, diz Samantha Pflug, professora de Direito Constitucional da Faculdade Especializada em Direito:

- Além disso, ela é uma medida de proteção do próprio agente público.

Um outro exemplo de conduta questionável na administração pública é a contratação de agente público pela iniciativa privada.

- As regras no Brasil são muito frágeis. Há a quarentena de quatro meses, mas isso é absolutamente insuficiente para lidar com o problema maior, que é a mobilização dos grupos de interesses - diz o professor de políticas públicas da Ebape/FGV, Jorge Vianna Monteiro.