Título: Analistas não sabem mais o que esperar do Copom
Autor: Camarotti, Gerson; Batista, Henrique
Fonte: O Globo, 02/09/2011, Economia, p. 23

Especialistas chegam a colocar em xeque o sistema de metas de inflação. Para Mantega, desconfiança é bobagem

BRASÍLIA e BELO HORIZONTE. Acabou a previsibilidade e, daqui para a frente, não se sabe mais o que esperar do Banco Central (BC). Essa é a opinião da maior parte dos analistas de mercado depois do corte de 0,5 ponto percentual da Taxa Selic. Eles começam a duvidar da autonomia operacional do BC, e há quem coloque em xeque o sistema de metas de inflação. Mas o governo saiu em defesa da credibilidade do BC, garantindo que este é autônomo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, considerou a desconfiança do mercado "uma bobagem".

Segundo o economista-chefe da corretora Prosper, Eduardo Velho, com a decisão o Comitê de Política Monetária (Copom) deixou claro que também trabalha com meta de crescimento:

- O BC perde a credibilidade porque não dá explicações convincentes. Se não se configurar esse cenário que o BC desenhou, vai ficar claro que ele perdeu a autonomia.

Para o economista-chefe do Banco Espírito Santo (BES), Flávio Serrano, a decisão criou incertezas e dificultou a antecipação dos próximos passos no combate à inflação, além de reviver o debate de se o governo interfere na política monetária:

- Vai sempre ficar a dúvida se houve interferência política ou não. Voltaram os ruídos de interferência política, que tinham acabado.

Segundo Serrano, o BC deveria se posicionar como guardião da moeda e combater a inflação, não mostrar que agora toma decisões voltadas à manutenção do crescimento.

Os analistas também estranharam o fato de o comunicado do BC, de duas páginas, contra os habituais dois parágrafos. Para o professor João Saboia, do Instituto de Economia da UFRJ, isso mostra que o Copom ficou preocupado com a reação do mercado. Mas Saboia concorda com o corte dos juros e refuta as críticas de que o BC tenha abandonado a meta de inflação.

Dilma: "Eu respondo pelo que o governo federal está fazendo"

Já o professor da FGV Ricardo Mori diz que é especulação falar que a meta de inflação foi abandonada, porque segui-la não significa sacrificar a economia:

- O mundo não está olhando para a inflação, está olhando para a recessão. Não acho que haja mudança de política econômica, muito menos a intenção de crescer a qualquer custo.

Na inauguração da usina siderúrgica da Vallourec e Sumitomo, em Jeceaba, a 120 quilômetros de Belo Horizonte, a presidente Dilma Rousseff afirmou ontem que a taxa de juros vai variar em função do cenário global e garantiu que o BC tem total autonomia.

- Desde o governo Lula, e até antes, optou-se por uma relação entre o governo e o Banco Central de autonomia - disse Dilma em entrevista a rádios de Belo Horizonte. - Pelo Copom, responde o Copom. Eu respondo pelo que o governo federal está fazendo.

Os técnicos da equipe econômica reconhecem que o corte, depois de Dilma e Mantega defenderem publicamente a queda dos juros, pode trazer a ideia de enfraquecimento de um órgão que deveria ter autonomia operacional. Mas eles acreditam haver argumentos técnicos para o corte.

- É bobagem (a avaliação de que houve pressão política). O Copom não sofre nenhuma pressão política, tem autonomia - disse Mantega.

O mesmo discurso foi adotado por Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência).

- Acho estranho que toda vez que o BC elevou a taxa de juros nunca se falou em interferência do Planalto - disse Carvalho.

COLABORARAM Martha Beck e Heraldo Leite, especial para O GLOBO