Título: Por essa ninguém esperava
Autor: Valente, Gabriela
Fonte: O Globo, 01/09/2011, Economia, p. 23
Após fala de Dilma, BC contraria todas as previsões e reduz taxa básica em 0,5 ponto. Analistas veem sinal de fraqueza
Um dia depois de a presidente Dilma Rousseff afirmar querer o início dos cortes dos juros básicos da economia, o Banco Central (BC) surpreendeu até os mais otimistas e reduziu em 0,5 ponto percentual da Taxa Selic, para 12% ao ano. A decisão polêmica dividiu o Comitê de Política Monetária (Copom). Dos sete diretores, dois votaram pela manutenção da Selic em 12,5% ao ano.
- Estou chocado, nem sei o que pensar e jamais considerei que isso pudesse acontecer - disse o economista do Banco Votorantim, Roberto Padovani - É uma ruptura que reduz a transparência e aumenta a dificuldade de se prever os próximos passos da política monetária.
Para o chefe do Departamento de Economia da UFRJ, João Saboia, a interferência política mostra a fragilidade do BC:
- O BC precisa mostrar independência. Diminuir juros agora é passar uma noção de fraqueza.
No comunicado inédito de duas páginas, o comitê argumenta que houve uma deterioração substancial do cenário internacional e a crise pode demorar mais que o previsto, o que reduz de forma importante as pressões inflacionárias no Brasil. Para o Copom, o aumento da meta de superávit primário neste ano também contribuirá para o controle dos preços.
Um integrante da equipe econômica reconheceu que houve pressões para a taxa cair não apenas do governo, mas de toda a sociedade. Mas, garantiu, a decisão foi tomada com base em critérios técnicos. Essa fonte lembrou que, desde o início do ano, o BC vem tomando medidas para restringir o crédito e espera desaceleração da inflação a partir deste mês. O Copom alega que vai acompanhar os desdobramentos do cenário internacional para definir os próximos passos na sua estratégia.
Para economistas, corte é prematuro
A decisão interrompeu o ciclo de cinco altas seguidas dos juros, que somaram 1,75 ponto percentual e tiveram forte impacto no crédito. Na média, o custo dos empréstimos para o consumidor e as empresas subiu de 35% para 39,7% ao ano desde o início do governo até o mês passado.
A reunião de ontem era considerada a chave para os próximos passos da política monetária. Mesmo antes do resultado surpreendente, o encontro já era classificado como o mais tenso sob comando de Alexandre Tombini, pelos sinais contraditórios da economia. A inflação em 12 meses está em 6,87%, acima do teto da meta, de 6,5%, apesar da queda dos preços internacionais de alimentos. E, devido à crise global, as projeções para o crescimento vêm caindo há quatro semanas. Analistas esperam 3,79% neste ano, e o BC, 4%.
O Congresso acena com mais gastos. Por outro lado, o governo prometeu poupar a arrecadação extra deste ano para pagar juros da dívida, em vez de gastá-la e dar mais combustível para a inflação. Mas, durante a reunião do Copom, o governo anunciava que em 2012 - ano eleitoral - vai diminuir a meta do esforço fiscal e liberar gastos. O Palácio do Planalto não quer nem pensar em repetir o erro de 2008, quando o BC demorou a cortar juros e a economia parou de crescer.
Para o economista do Bradesco, Octavio de Barros, agora não seria o momento para uma queda dos juros. Padovani também defende que esta não era hora para um corte, porque a inflação está elevada e não há consenso sobre os impactos locais da crise global. Ele não vê risco de repetir 2008, por isso o ideal seria manter os juros.
A decisão do Copom foi elogiada por representantes do comércio e da indústria, mas criticada por sindicalistas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considera o corte nos juros importante para que a economia enfrente o agravamento da crise. Para a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), a decisão foi positiva mas insuficiente, defendendo "uma forte redução dos juros" para que o país mantenha o ritmo de crescimento.
Em nota, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) elogia o corte, mas diz que a "continuidade deste movimento depende do alinhamento Copom à política fiscal". A Força Sindical considera a decisão "extremamente tímida e insuficiente", lembrando que as cinco altas deste ano criaram um "cenário extremamente adverso à produção e à geração de empregos".