Título: Superávit maior não é ajuste fiscal, diz analista
Autor: Lins, Letícia; Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 31/08/2011, Economia, p. 23

Economia de R$10 bi se deve a fatores isolados

BRASÍLIA. A economia adicional de R$10 bilhões que o governo se comprometeu a fazer este ano para pagar juros da dívida pública - a fim de dar ao Banco Central (BC) mais espaço para reduzir os juros - passa longe de um ajuste fiscal efetivo. O aumento da meta de superávit primário de 2011, de R$117,9 bilhões para R$127,9 bilhões, foi possível graças a receitas extraordinárias e à desaceleração dos investimentos do governo federal, que caíram 2,4% entre janeiro e julho.

Segundo dados do Ministério da Fazenda, somente em junho e julho entraram na conta do Tesouro R$14,8 bilhões em receitas extraordinárias decorrentes do Refis da Crise (programa de parcelamento de dívidas vencidas) e de uma multa paga pela Vale após derrota judicial referente à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Técnicos da Receita admitem que o Refis da Crise vai continuar ajudando a encher os cofres e que outras empresas terão de recolher tributos questionados na Justiça.

Do lado dos investimentos, este ano foram pagos R$24,5 bilhões, apenas 36% da dotação autorizada para 2011, de R$68,4 bilhões. O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, garante que essas despesas voltarão a subir. Mas será um desafio gastar em meio à paralisação de órgãos importantes como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) por causa de escândalos. Os investimentos deste caíram 65,2% de junho (R$532,2 milhões) a agosto (R$185 milhões).

- O que o governo está fazendo não é um ajuste fiscal efetivo e de qualidade, com redução de gastos com custeio. Trata-se basicamente de guardar uma receita extra que entrou no caixa - afirma Felipe Salto, economista da consultoria Tendências.

Ele ressalta que a medida é positiva a curto prazo, pois reduz pressões inflacionárias, mas não tem potencial para acelerar a queda dos juros agora.

Embora o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tenha afirmado que o governo tentará cumprir a meta fiscal cheia - sem abatimentos de gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - este ano e em 2012, Salto não acredita que isso ocorra:

- O primário terá que ser menor no ano que vem.

O Orçamento de 2012 já tem quase R$70 bilhões engatilhados, como R$23 bilhões para reajuste do salário mínimo e R$18,5 bilhões para a nova política industrial. Mas vários projetos em tramitação no Congresso têm potencial de gastos superior a R$150 bilhões, como a emenda 29, que fixa os investimentos em saúde em 10% do PIB. Os desembolsos livres estão hoje em 7% do PIB. Considerando um PIB de R$4 trilhões (o de 2012 deve ser maior), seriam R$120 bilhões a mais. (Martha Beck)