Título: Decisão da Câmara revolta defensores da ética
Autor: Braga, Isabel; Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 31/08/2011, O País, p. 3
"O Brasil continua sendo o país da impunidade. Só vai para a cadeia ladrão de galinha", protesta o senador Pedro Simon
Fábio Fabrini, Evandro Éboli e Isabel Braga
BRASÍLIA. A absolvição de Jaqueline Roriz (PMN-DF) causou protesto e indignação entre políticos, intelectuais e dirigentes de entidades não governamentais. Para eles, a "pizza" assada em plenário - apesar das imagens contundentes, que mostraram a parlamentar recebendo dinheiro de suposta propina -, foi uma demonstração de corporativismo e reforça a impunidade, em meio à mobilização popular contra a corrupção.
Diretora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Jovita José Rosa classificou a votação como um conchavo para favorecer outros parlamentares em processos de cassação futuros:
- Foi como uma troca de favores: eu te alivio porque amanhã posso estar no teu lugar. Então, se aconteceu antes (do mandato), tudo bem? - Só nos resta lamentar, porque contra fatos não há argumentos. Havia um vídeo mostrando tudo!
O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), da Frente de Combate à Corrupção, disse que a decisão vai contra o Código de Ética do Parlamentar, que exige que o eleito tenha uma vida limpa antes de assumir o mandato:
- É uma decisão que legitima a impunidade, o motor da corrupção. É como se a Câmara fosse uma grande corporação, e não a representante do povo.
Na semana que vem, a frente pretende convocar entidades como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) a engrossarem a mobilização "pró-faxina" em ministérios e outros setores da administração pública. Uma das ideias é criar uma subcomissão na Comissão de Direitos Humanos e discutir mudanças na legislação que favoreçam a punição de corruptos, incluindo o fim do voto secreto em votações de quebra de decoro.
- É um pacote de medidas. Se a presidente quer parar, nós não - afirmou.
Para o cientista político Murilo Aragão, se a votação fosse aberta, o resultado poderia ser outro:
- As pessoas deveriam assumir suas posições - comentou, acrescentando que caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a deputada com base em critérios jurídicos.
Relator do processo de Valdemar Costa Neto (PR-SP) no Conselho de Ética, Fernando Francischini (PSDB-PR) afirmou que prevaleceu o espírito de corpo na votação que salvou o mandato de Jaqueline Roriz (PMN-DF):
- O que acabou pesando foi o corporativismo e o instinto de autopreservação - disse Francischini.
Integrante da Frente de Combate à Corrupção, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) também condenou a decisão da Câmara:
- O Brasil continua sendo o país da impunidade. Só vai para a cadeia ladrão de galinha. O povo e os caras-pintadas precisam ir para a rua. Não se deve esperar nada do Congresso, do Supremo nem do o Executivo - disse Simon: - De onde se espera nada, do Congresso, é que não sai nada mesmo. E esse tipo de votação tem que ser em voto aberto. Absolutamente aberto.
"Foi a vitória da covardia", diz Chico Alencar
Autor do pedido de abertura de processo contra Jaqueline, o líder do PSOL, Chico Alencar, também lamentou:
- Foi a vitória da covardia, do véu, da máscara para acobertar a corrupção - disse.
Para o diretor da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, o resultado demonstra que não há limites na autopreservação da classe política:
- O resultado não é nada mais do que se pode esperar do Congresso. Surpreso ficaríamos se fosse o contrário, se ela fosse cassada. Os caras vão acobertar o que puderem. Os deputados não conhecem limites para a desmoralização deles próprios - disse Abramo.
O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) ficou revoltado quando o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), anunciou o prosseguimento da ordem do dia, após a absolvição de Jaqueline:
- Perdoem-me! É impossível que tudo isso esteja acontecendo e vocês queiram manter aqui um clima de normalidade!