Título: Austeridade terá grande teste em 2012
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Fonte: O Globo, 31/08/2011, Opinião, p. 6

O ministro Guido Mantega teve o necessário cuidado em não relacionar o aumento da meta do superávit primário deste ano com a reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), do Banco Central, de ontem e hoje. O correto objetivo do governo é, ao fechar torneiras de gastos em custeio, abrir espaço para o BC reduzir os juros básicos (Selic), caso a economia mundial aprofunde o desaquecimento e force o país a compensar com estímulos internos o impacto recessivo de fora. E não precise, para isso, usar a despesa pública (política fiscal), já bastante elevada.

Mas ninguém, de fato, pode querer que a austeridade anunciada numa segunda-feira vá servir de sustentação técnica de corte de juros na quarta. (Se a Selic for cortada, será por outros motivos. Mas todas as apostas para hoje são de que ela continuará nos 12,50%.)

Assim como não se pode estabelecer relação entre uma coisa e outra, também só se saberá em 2012 se a decisão política do governo Dilma Rousseff de apertar os cintos é para valer.

Do ponto de vista fiscal, pela ótica do superávit primário, 2011 é um ano muito perto do fim. Prova disso é que, de janeiro a julho, já foram retidos para saldar a conta de juros da dívida pública R$92 bilhões, ou 72% da nova meta total de R$127,9 bilhões de superávit.

Repetiu-se o modelo dos últimos anos: arrecadação em alta, bem à frente da inflação, para financiar gastos em custeio indomáveis, e investimentos públicos aquém do necessário. Ou seja, carga tributária elevada, infraestrutura precária e responsabilidade por manter a inflação sob controle nas mãos apenas do BC/juros (política monetária).

A equação de 2012 será bem diferente, pois, entre outros complicadores, haverá um grande choque de aumento de despesas, já contratado - elevação do salário mínimo entre 13% e 14%, com impacto direto nas contas da Previdência. As estimativas estão na faixa de gastos adicionais de R$20 bilhões, o equivalente a duas vezes o que será poupado este ano com a elevação do superávit primário.

E na outra ponta da contabilidade pública, a arrecadação, o sinal está invertido: redução do fôlego de receitas. Como o Brasil desacelerará o crescimento, a tônica em todo o mundo, inclusive China, é difícil imaginar que o cenário deste ano se repetirá em 2012. De janeiro a julho, a coleta de impostos deu um salto de 13,98% em comparação com o mesmo período do ano passado. Difícil repetir o feito. Além de tudo, o governo tem se beneficiado de receitas que não se repetirão em 2012. Como, por exemplo, aproximadamente R$8 bilhões recolhidos por contribuintes beneficiados por programas de refinanciamento de dívidas tributárias em atraso (Refis). Houve, também, um pagamento extraordinário feito pela Vale de algo próximo dos R$6 bilhões, de tributos contestados, mas os quais a empresa decidiu saldar.

Menos mal que o governo começou a economizar agora. Ou pelo menos anuncia que irá fazê-lo. Na verdade, o discurso da austeridade, assumido por Dilma antes mesmo da posse e seguido pelo ministro Mantega, nunca foi executado na prática como enunciado. Agora, a presidente vive um daqueles momentos de definição que a vida costuma programar para governantes.