Título: O desafio de integrar as ações de segurança
Autor:
Fonte: O Globo, 04/09/2011, Opinião, p. 6

No apagão de informações que desconecta áreas da administração pública da realidade do país, é particularmente grave a falta de integração de dados na estrutura nacional de segurança pública. Como mostra a reportagem inicial da série publicada pelo GLOBO, nessa rubrica é até mesmo inapropriado se falar em "estrutura nacional", pois o Brasil não tem uma política unificada de segurança. Apenas esboços. Disso resulta um quadro sombrio, que estimula a corrupção policial, desoxigena ações de combate à violência, ceva a impunidade e, por decorrência, incentiva o desapreço à lei.

As impropriedades de um sistema desintegrado se avolumam em resultados inaceitáveis. Os organismos de segurança federais e estaduais não sabem quantos foragidos da Justiça se espalham pelo país e quantas pessoas estão desaparecidas, muito menos por que razões sumiram. Não há um cadastro nacional de impressões digitais, o que abre espaço para aberrações legais como um mesmo cidadão ter 27 carteiras de identidade, uma para cada estado brasileiro. O mapa de ocorrências do Ministério da Justiça planeja para 2011 ações pautadas por dados de 2008 - mesmo assim graças a cadastros fornecidos pelo SUS. Um juiz do Rio de Janeiro pode, sem querer, mandar soltar um criminoso mesmo que ele tenha mandados de prisão em outras unidades da Federação. E por aí segue a esquizofrênica situação da segurança pública.

São palpáveis as consequências dessa falta de integração: caos na catalogação de dados que ajudem o trabalho da polícia e da Justiça, impossibilidade de elaborar programas de ação em níveis federal e estaduais para combater a criminalidade e até mesmo dificuldades de controle na emissão de documentos, essencial para uma atuação qualificada dos agentes de polícia técnica e de fiscalização de fronteiras. No plano institucional, a falta de conexão compromete, por exemplo, programas estaduais de combate à criminalidade e à violência dela decorrente. Exemplo emblemático são as investidas da polícia fluminense contra o tráfico de drogas e de armas: contabilizando vitórias importantes no combate direto, o governo do estado se depara com o problema da falta de controle de entrada de armamento e de entorpecentes por fronteiras desguarnecidas (jurisdição de órgãos federais de policiamento e fiscalização), o que facilita o reabastecimento de quadrilhas, mesmo que asfixiadas.

No Brasil e em outros países há exemplos bem-sucedidos de como a integração de um sistema de segurança ajuda no combate ao crime. Aqui, tornou-se paradigmática a operação de retomada do Complexo do Alemão, em que as polícias Civil e Militar contaram com a fundamental colaboração das Forças Armadas. Em Nova York, a implantação de uma rede de dados atualizada diariamente, essencial para ditar uma nova e vitoriosa política de segurança, virou modelo para departamentos de polícia em todo o território dos EUA. O Ministério da Justiça anuncia a criação de um sistema nacional de dados, juntando num software informações criminais de todos os estados, que pode ser a base de uma real política nacional de segurança. Já se falou em algo semelhante no passado, mas é um começo. À iniciativa devem se agregar outras, para o país dar, afinal, conta do desafio de combater a criminalidade para valer.