Título: Capes: profissionalizantes e acadêmicos :: Joaquim Falcão
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 20/08/2009, Opinião, p. 29

Diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (RJ) e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Uma grave deturpação na formação dos advogados e profissionais jurídicos, magistrados inclusive, está prestes a acabar. Existem hoje no Brasil mais de 1.100 cursos de graduação de direito. Recorde mundial, provavelmente. De todos os tipos, preços, durações e qualidades. Existem também cerca de 88 cursos de mestrados acadêmicos, incluindo os com doutoramento. Recorde mundial, provavelmente também.

Ora, inexiste mercado de trabalho para tantos profissionais, isto é, advogados, procuradores, juízes que pretendem se dedicar à academia. Serem apenas pesquisadores ou professores de direito. Sobretudo se considerarmos que a imensa maioria dos professores de direito ganha salários de cerca de R$ 50 por hora, e são raras as faculdades que têm pesquisa institucionalizada, e pagam professores por artigos publicados e pesquisa feita. Nada, enfim, que exija 88 cursos de mestrados acadêmicos.

Na verdade, esses cursos incharam, como diria Gilberto Freyre, aproveitando-se de outra demanda: a dos profissionais que queriam continuar advogados, juízes, procuradores, mas que precisavam se aperfeiçoar, ou do título de mestre e não tinham para onde ir. Um juiz, promotor ou funcionário público que, para ascender na carreira, não precisam ser professores ou pesquisadores de direito, mas precisam do título de mestre. Como a Capes, ao ouvir o Comitê Assessor de Direito, só permitia o mestrado acadêmico, constitui-se uma deturpação da demanda. O aperfeiçoamento estritamente profissionalizante foi captado por um monopólio estritamente acadêmico.

Essa deturpação fica mais clara quando se constata os números. Em 1998, o ministro de Educação de então, Paulo Renato, criou os mestrados profissionalizantes. Hoje temos 242 em todas as áreas do saber. Pasmem. Nenhum em direito! Por razão simples. O Comitê Assessor de Direito, ao contrário dos comitês assessores de quase todas as outras áreas, sempre se negou a permitir mestrados profissionalizantes. Razões ideológicas? Não. Razões pedagógicas? Não. Razões simplesmente de reserva legal de mercado. Para proteger o monopólio dos mestrados acadêmicos, que dificilmente aguentariam a competição.

O que aconteceria se houvesse a concorrência entre mestrado profissionalizante e mestrado acadêmico? A imensa maioria dos candidatos iria fazer o profissionalizante, pois são poucos os que sonham com a vida espartana de pesquisador e professor. Os mestrados acadêmicos se esvaziariam na hora. Os advogados, juízes, procuradores optariam pelo mestrado, que de fato iria lhes trazer um melhor e mais profundo aperfeiçoamento da práxis profissional.

O dano resultante dessa política do comitê gestor de monopólio do acadêmico, que no fundo era em muitos casos um subprofissionalizante, foi obrigar jovens advogados e juízes a escreverem teses de 300 a 400 páginas, sobre temas abstratos, livrescos em grande parte, coimbras outros tantos, em vez de estarem fazendo projetos de reforma de seus tribunais, novos projetos de lei, estudando os condicionantes da ilegalidade que hoje permeia o Estado Democrático de Direito, buscando os caminhos da eficácia, da efetividade e da legitimidade da lei, o encontro do direito e da Justiça com a eficiência, a celeridade, a economia, a Justiça, com o Brasil, enfim. Com as raras e importantes contribuições de muitos mestrados realmente acadêmicos, estacionou-se o direito na ficção jurídica do século 19, diria Mangabeira Unger.

Tudo agora deve mudar, pois a Capes editou a Portaria Normativa nº 7, que flexibiliza as teses, os tempos, estimula a interdisciplinaridade, enfatiza a práxis, permite que os grandes advogados de sucesso, os excelentes magistrados, mesmo sem título, mas portadores do saber de experiência feito, sejam professores e não apenas os doutores de diplomas feitos. Aplausos à Capes.

Mas a principal tarefa a cumprir e lição a aprender diz respeito ao processo decisório da própria Capes. Quando os comitês assessores foram criados, pretendia-se que a comunidade científica participasse das decisões de um importante órgão do Estado e organizador de nosso ensino superior. E isso foi fundamental para o progresso e democratização do ensino superior. Por lá passaram o melhor de nossos juristas, pesquisadores e professores de direito. A regra principal para que esses comitês realmente representassem a comunidade e fossem legítimos, é a regra do apoio à pluralidade dos modelos, da experiência científica e metodológica, do incentivo, e não da repressão das novas propostas, a submissão aos surtos de reserva de mercado e a consolidação de deturpações profissionais. O comitê assessor não pode ser apropriado por ninguém. Por um momento, a própria Capes dele ficou aprisionada. Restaurar as luzes é o caminho original, que tanto vem dando certo, e que dignificou os que por lá passaram. É indispensável.