Título: ONGs, da CPI a novos contratos
Autor: Duarte, Alessandra; Benevides, Carolina
Fonte: O Globo, 11/09/2011, O País, p. 3

Entidades acusadas por comissão de inquérito em 2010 continuam a receber verba do governo

Foram três anos de depoimentos e tentativas de quebra de sigilo fiscal e bancário, e um relatório de 1.478 páginas. Hoje, quase um ano depois do relatório final da CPI das ONGs no Senado, que ocorreu de 2007 a 2010, entidades acusadas de irregularidades no texto final, e com inquéritos ou processos ainda em aberto em órgãos como Ministério Público e Tribunal de Contas da União, continuam a realizar contratos com o governo federal, segundo levantamento do GLOBO. Em 2010 e 2011, os contratos somam pelo menos R$10 milhões.

Pesquisa do IBGE apontou 338 mil ONGs no país, segundo a Associação Brasileira de ONGs (Abong). Só este ano, somando gastos diretos e transferências, o governo federal já destinou cerca de R$3,5 bilhões a entidades sem fins lucrativos, categoria que engloba ONGs, Oscips, fundações e partidos políticos, entre outros.

Levantamento no Portal da Transparência do governo federal mostra casos como o do Instituto Uniemp. Ele aparece no relatório da CPI como acusado de subcontratar outras empresas e institutos para executar serviços para os quais tinha sido contratado, sem licitação, "configurando-se como mera intermediária entre o Estado e prestadores de serviços", dizia o texto.

Hoje, o Uniemp é alvo de vários inquéritos no MP-SP. O inquérito civil 433/2006, por exemplo, investiga um contrato do Uniemp, sem licitação, pela Secretaria estadual de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, no valor de R$2,2 milhões. O Uniemp "subcontratou empresas por preços inferiores, tendo ficado com o restante do dinheiro, cerca de R$195 mil", diz Saad Mazloum, promotor do Patrimônio Público e Social da capital:

- A ação está em andamento. Apontamos superfaturamento e que a ONG teve lucro, mesmo sendo sem fim lucrativo. Vejo as ONGs com cautela. Não se verifica se, de fato, não perseguem o lucro ou prestam o serviço.

"Suponho que seja uma lavanderia"

O Portal da Transparência aponta que o Uniemp recebeu R$2,2 milhões em 2011 e R$1,2 milhão em 2010 do Ministério da Ciência e Tecnologia, para ações que vão de pesquisa no setor elétrico a projetos em petróleo. Mostrando a diversidade de atuação do instituto, num dos inquéritos do MP-SP ele aparece como prestador de serviços em engenharia mecânica, civil e de alimentos; saúde; educação; e astronomia. O mesmo inquérito informa que a entidade teria só nove empregados.

Também é variada a atuação da Vértice, ex-MI Management. Segundo o Ministério Público Federal no Distrito Federal, a Vértice faz parte de um grupo que inclui ainda a Coopers, que teria sido beneficiada por um esquema de subcontratações de 2004 a 2007. Neste esquema, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) contratou, sem licitação, a Fundação Universidade de Brasília (FUB), para promoção de saúde indígena. A FUB, por sua vez, subcontratou outras duas fundações, a Fubra e a Funsaúde, que, num grau além da terceirização - e que o MPF chama de "quaternização" -, subcontrataram outras entidades, entre elas as do grupo da Vértice.

Em depoimento no relatório da CPI, o senador José Agripino (DEM-RN) dizia que "chegam informações de que a Funsaúde teria, não terceirizado, um degrau abaixo, quaternizado... serviços (...). Suponho que aquilo possa ser uma lavanderia". Hoje a diversidade de ações continua. No Portal da Transparência, consta que a Vértice recebeu, em 2011 e 2010, verba da Academia Nacional de Polícia, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Além de continuar contratando com a FUB.

Segundo o MPF, hoje os donos da antiga MI Management são réus em um dos quatro processos criminais sobre o caso Funsaúde-FUB. A principal acusação é desvio de dinheiro público por fraude em licitação. Os processos foram para a 12ª Vara Federal do DF.

Mais um caso é o da Educar.com. O relatório da CPI mostra a entidade como uma das que receberam repasses do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para ações do Programa Brasil Alfabetizado. Uma auditoria do FNDE constatou: "Concluímos que o Brasil Alfabetizado não está sendo executado de maneira satisfatória pela Educar.com. (...) Identificamos prejuízos ao Erário". A entidade, segundo a auditoria, não teria comprovado a realização dos serviços. "Há suspeitas de que sete entidades, entre elas a Educar.com, não cumpriram adequadamente os termos dos convênios, e apresentaram documentos falsos durante a prestação de contas", sublinhou o relatório da CPI.

O Ministério da Educação informou que concluiu a auditoria e encaminhou os dados ao MPF e à Polícia Federal. A auditoria, diz o MEC, apontou fraude, e já foi iniciado processo de ressarcimento da verba passada à entidade.

No relatório da CPI, a Educar.com consta com um CNPJ que hoje é o mesmo de outra entidade, a Oscip Tercon Brasil. Essa Oscip, no Portal da Transparência, aparece como tendo recebido, em 2010 e 2011, cerca de R$6 milhões de órgãos como os ministérios do Trabalho, do Turismo, do Esporte e do Desenvolvimento Agrário.

- Desde o início da CPI, tivemos obstrução dos trabalhos. Não houve condições de aprovar nenhuma quebra de sigilo. Não votamos o relatório final. Sequer analisamos o voto do relator, e aí nem conseguimos ter um voto em separado, que poderia ter sido encaminhado ao MP. Tudo isso comprometeu o resultado da CPI - lembra o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que participou da comissão. - Muitas ONGs viraram aparelho de desvio de verba pública. Um dos problemas para investigá-las é o acúmulo de prestações de contas não analisadas. Cria clima de conforto para a irregularidade.

- A Abong defende que todas as ONGs sejam fiscalizadas - diz Ivo Lesbaupin, sociólogo e diretor-executivo da Abong. - Temos hoje 250 filiadas, todas precisam entrar no Siconv (Portal dos Convênios do governo federal), são fiscalizadas e acompanhadas. Se todas fossem obrigadas a constar no Siconv e se o Estado estabelecesse critérios de controle e acesso, as ONGs de fachada não existiriam.