Título: O dia em que o PT roubou a crise no Senado
Autor: Rothenburg, Denise; Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 21/08/2009, Política, p. 2

Petistas deflagram guerra interna que deixa os escândalos no Congresso em segundo plano

As primeiras 24 horas pós-arquivamento das denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney, fizeram o PMDB sair de cena e o PT entrar numa crise interna que só perde para aquela que tomou conta da legenda nos tempos do mensalão. O líder no Senado, Aloizio Mercadante, anunciou que deixaria o cargo, a bancada encolheu de 12 para 10 senadores, e, de quebra, a guerra interna latente dentro do PT de São Paulo ganhou força.

O presidente Lula tenta agora administrar essas três pontas. Ele já estava no Rio Grande do Norte (leia mais na página 4) quando foi avisado que Aloizio Mercadante tinha anunciado na internet que iria renunciar ao comando petista na Casa e, por tabela, a liderança do bloco da maioria de apoio ao governo. O presidente, interessado em sua própria agenda, nem piscou. Quem intercedeu para tentar, ao menos, colocar o senador sentado com o presidente Lula como o líder da maioria antes da renúncia oficial ao cargo foi o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro.

O fato de não ter sido de Lula a iniciativa da conversa com Mercadante e sim do ministro já foi, para os petistas, sinal de que a crise entre o governo e o senador paulista é grave. E só o tempo dirá o que irá ocorrer. Em princípio, Lula não pretendia pedir a Mercadante que permanecesse na liderança. Seus assessores diziam que a hipótese desse pedido ocorrer ao longo da conversa era remota e só tempo iria curar as feridas.

Os cientistas políticos procurados pelo Correio analisaram o que está acontecendo com o PT. Muitos citam a crise atual como um prolongamento do debate que não houve durante o escândalo do mensalão, em 2005. ¿Naquela ocasião, a cúpula da legenda preferiu não aprofundar discussões sobre os princípios que regem o partido. Essa situação se arrastou até agora, quando explodiu¿, avaliou o diretor do Departamento de Ciências Sociais da PUC de Campinas (SP), Pedro Rocha Lemos.

O entendimento é de que partido encontrou dificuldade para lidar com o ônus de ser base do governo. ¿Para o PT chegar ao poder, teve que fazer alianças, e isso tem um risco. O partido perdeu muito da sua função. Ficou refém dos interesses do PMDB, e do Lula¿, explica o cientista político. ¿E se tem que obedecer ao Lula, para que partido?¿, pergunta Lemos.

O resultado desse descompasso entre o discurso petista e a prática política, levou, na avaliação dos especialistas, ao enfraquecimento da legenda enquanto instituição, e à perda de quadros importantes. Em 2004, pouco antes do estouro do escândalo do mensalão, o PT perdeu Heloísa Helena. Ela fundou o PSol e saiu candidata à Presidência da República, contra Lula. Cinco anos depois, durante a crise do Senado, o partido ficou sem a senadora Marina Silva (AC), militante por mais de 30 anos, com lastro e reconhecimento nacional e internacional na defesa do meio ambiente.

¿Essa posição mais pragmática causa certo mal-estar naqueles que ainda ficam bandeira na ética. Com isso, o partido perdeu quadros importantes nacionalmente¿, avalia Maria do Socorro Braga, professora de ciência política da Universidade Federal de São Carlos e pesquisadora da USP.

Para ela, o desgaste sofrido por Mercadante dentro da cúpula partidária durante a crise do Senado revela a dificuldade do PT em equilibrar suas bandeiras ideológicas e o ônus do poder. ¿O eleitorado do Mercadante não é o mesmo do Lula. É um eleitorado de classe média, que ainda defende o voto ideológico, de opinião. Para ele, o desgaste do apoio a Sarney seria enorme¿, explica.

Os especialistas salientam ainda que o caminho para reconstrução do PT será longo e árduo. ¿No meu ponto de vista, o PT está descaracterizado. E não dá para esperar nenhuma mudança que venha de cima. Se o partido quiser retomar antigas bandeiras, essa terá de ser uma iniciativa de suas bases¿, ressaltou Pedro Rocha Lemos.

Apostas Há quem aposta que, a despeito das cicatrizes internas que a crise deixará no partido, o verdadeiro impacto das decisões tomadas na última semana só será mensurado em 2010. ¿É um equívoco avaliar o desgaste do partido pelos índices de popularidade do presidente Lula. O fato é que num futuro próximo isso terá consequências para a legenda. Há que se considerar que a defesa da ética, para um partido como o PT, seria um caminho muito mais seguro para a sucessão presidencial¿, aponta Pedro Rocha Lemos.

Análise da notícia Com tempo, sem pressa

O presidente Lula aposta nos 13 meses que faltam para a eleição de 2010 como a melhor arma a fim de acabar com a crise que consome a bancada no PT Senado. E essa não deixa de ser uma aposta promissora. Afinal, em 2005, quando estourou o escândalo do mensalão, todos os analistas diziam que o PT estava destroçado. O PSDB desistiu de forçar o impeachment porque acreditava que Lula não iria se recuperar. O presidente se reelegeu e mantém uma popularidade superior a 60% do eleitorado.

Se o presidente abusou dessa popularidade no apoio a Sarney, avalia que tem tempo para se recuperar, apresentar obras ao país e explicar tudo ao eleitor. E o PT, se quiser ter um final feliz para a sua história em 2010, não tem hoje outro caminho, a não ser colar no presidente da República. É isso que Lula tem dito. E quem não gostar, a porta da rua é a serventia da casa. (DR)

entrevista - flávio arns ¿O partido mudou¿ Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press

O senador Flávio Arns (PT-PR) comunicou ontem oficialmente ao líder Aloizio Mercadante (PT-SP) que se desligará do partido. ¿Queríamos uma coisa simples: esclareça-se, investigue-se. O Senado não pode simplesmente não investigar. Lula, com tanta popularidade, poderia fazer isso com pé nas costas. Pedir justiça e transparência¿, disse. Confira os principais trechos da entrevista:

A decisão de sair é irrevogável? É, vou sair. Pedi para os advogados me ajudarem. Gostaria que houvesse uma decisão judicial porque hoje só se diz que o parlamentar perde o mandato. Só se fala da fidelidade do parlamentar ao partido. E a fidelidade do partido aos seus ideais. Acho que essa discussão deve ser feita. Estou saindo porque o PT mudou completamente.

Como o senhor vê as ações do presidente Lula em defesa de Sarney, a defesa de Henrique Meirelles como candidato em Goiás? No caso do Sarney, isso desarticula, desautoriza a bancada. A bancada foi eleita e tem que ter um compromisso com a consciência, com o eleitor e com o partido, nessa ordem. A nota do (Ricardo) Berzoini (presidente do PT) não foi discutida, assim como a candidatura de Meirelles, não houve debate.

E Marina Silva? O senhor acha que muitos petistas podem migrar com ela? O senhor vai para o PV? As bases do PT não concordam com o que vem sendo orientado no Congresso. Não existe sintonia. O PT aceitou que o presidente Lula coordenasse a escolha do candidato. Mas muita gente pode migrar agora. Como ocorreu na saída de Heloísa Helena para o PSol, sem dúvida ocorrerá com a ida de Marina para o PV. Ela é sensata, correta e com credibilidade. Ainda não defini meu destino.

O senhor acha que a crise acabou com o arquivamento das representações contra Sarney? O problema não é o Sarney. Somos nós mesmos. Vimos um trator vir para cima. Fomos eleitos para aguentar pressões, mas a atitude foi errada, em desacordo com os princípios e o clamor da sociedade. O que queríamos? Que se investigasse. O Lula tem tanta popularidade que poderia fazer isso com um pé nas costas. Ah, mas isso pode interferir no apoio do PMDB ao PT. Mas o partido precisa saber que mais importante que apoios é a sociedade ter instituições boas. É o que eu acredito. (DR)