Título: Ética: sozinha ou acompanhada?
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 21/08/2009, Política, p. 4

O pavor do petismo não é o questionamento ¿ético¿. Isso ele acredita que tirará de letra. O problema está em outro lugar. O risco se encontra numa possível novidade

Almoçava com dois amigos quando surgiu a pergunta. O que seria do PT sem o PSDB? O que o partido teria a dizer na eleição sem recorrer ao ¿risco da volta ao passado¿? À ¿ameaça do retorno dos neoliberais¿? Ou ao ¿espectro da retomada das privatizações¿? Houve um certo silêncio. É possível que o PT, nessa situação, tivesse até como expor seus feitos. Onde estaria a dificuldade? Em oferecer uma visão consistente de futuro. Neste ponto o leitor poderá imaginar que a coluna é uma suíte (continuação) da de ontem. Terá razão.

Não chega a ser novidade na História do Brasil. Dada a nossa instabilidade democrática estrutural, aqui a renovação política acontece como eliminação e entronização cíclica de partidos ¿ e não só de líderes. Pelo menos desde a Revolução de 1930, quando de fato se proclamou a nossa República. Tivemos a hegemonia do Partido Social Democrático (PSD) de 1945 a 1961. Depois da rápida gripe janista, ensaiou-se uma oportunidade para o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), abortada pela ruptura militar de 1964.

Daí veio a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que só brilhou de verdade no ¿milagre brasileiro¿, graças ao crescimento explosivo da economia e ao voto nulo pregado por boa parte da oposição. O fim do ¿milagre¿ e a completa derrota militar da luta armada abriram caminho ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Que depois virou PMDB, ganhou com Tancredo Neves no colégio eleitoral e afundou-se no dilema hamletiano de ser ou não governo com José Sarney. Do que resultaram tanto a festejada Constituição de 1988 quanto a odiada hiperinflação.

Então chegou o tsunami Fernando Collor, com Luiz Inácio Lula da Silva na cola. Collor foi um Janio Quadros tardio, no apelo e no destino. O impeachment, hoje objeto de revisão histórica por alguns protagonistas, como Lula, abriu a temporada de predomínio dos ¿éticos na política¿. Natural, assim, que PSDB e PT tenham ocupado o palco nas últimas duas décadas, nascidos que foram da negação da ¿política como ela é¿. Ojeriza que precisaram arquivar quando chegaram ao poder. Coisa que aliás não exigiu tanto sofrimento assim.

Nessas nossas idas e vindas, volta e meia aparece o discurso de ¿evitar a volta ao passado¿. Ele costuma ter um componente sincero, que convive bem com o natural desejo de se segurar no poder. É humano que os detentores deste em algum momento passem a enxergar a própria continuidade como absolutamente fundamental para o interesse pátrio. Mas costuma marcar também uma certa propensão ao declínio. Pois é um sintoma de que o príncipe tem dificuldade de falar sobre o futuro. Ora, se é preciso fazer, e se vai fazê-lo, por que não fez até agora?

A notícia das últimas horas é a crise no PT por causa das confusões no Senado. Talvez ela deva ser relativizada. Já faz algum tempo que o partido se estranha com o udenismo, marca registrada de sua infância e juventude. Uns vão sair, outros vão ficar e nada, ou quase nada, vai acontecer de sério. Daqui a algumas horas estarão todos reunidos matutando sobre a melhor maneira de continuarem depois de 2011 nas cadeiras que ocupam hoje. O caso tomará certo espaço na imprensa, dado que esta gosta de novidades, de boas imagens e de boas frases, como as que podem ser pinçadas das duras declarações do senador Flávio Arns (PT-PR). E só.

O pavor do petismo não está aí, no questionamento ¿ético¿. Isso ele acredita que tirará de letra. O problema é outro. Qual é a proposta da candidata do PT para que as crianças e jovens saiam da escola sabendo ler, escrever e fazer contas? Qual é a proposta para humanizar o atendimento nas portas de entrada do sistema de Saúde? O que o governo federal pode fazer a mais para enfrentar a gravíssima situação da segurança pública, do narcotráfico e do crime organizado? Como finalmente conseguir o crescimento sustentado e sustentável, num planeta em pânico com o papel do Brasil no aquecimento global? E, sobretudo, se o PT sabe como fazer essas e outras coisas, por que não fez nos oito anos em que esteve lá?

Lula deixará aos brasileiros um país com menos pobreza e um pouco mais de crescimento. Mas entraremos em 2011 sendo ainda a tartaruga dos Brics, o território livre dos piratas da banca, o maior spread do mundo, o paraíso da ciranda financeira. Teremos perdido também uma oportunidade única de enfrentar a absurda concentração de terras. Ao contrário, a obsessão pelo etanol terá contribuído para piorá-la.

Talvez seja mesmo o caso de o PT rezar e, principalmente, trabalhar por uma eleição sem novidades. A ética sozinha não faz verão. Problema será se ela vier acompanhada à festa.