Título: CPMF é um fantasma não exorcizado
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Fonte: O Globo, 07/09/2011, Opinião, p. 6

Governadores se mobilizam para apoiar qualquer tentativa de recriação da CPMF, uma espécie de fantasma tributário que vive a atormentar os contribuintes brasileiros. Nas suas primeiras encarnações, o tributo embutiu a palavra "provisório(a)" em sua denominação, mas, se dependesse dos governantes, teria se perpetuado.

Na última tentativa de perenização do "provisório(a)", o Congresso Nacional (Senado) se mostrou sensível à indignação dos contribuintes e evitou que eles fossem submetidos a mais um achincalhe.

O governo federal não se fez de rogado e rapidamente foi buscar no IOF meios para recuperar a receita que estaria perdida. E o resultado foi além das expectativas mais otimistas. O IOF também é um imposto maleável, que pode ser acionado em determinados momentos, com objetivo de corrigir distorções na área financeira. Não gera na cadeia produtiva as mesmas distorções da CPMF. E com mais uma vantagem para o Tesouro: a receita do IOF não precisa ser repassada, em parte, a estados e municípios, e nem está vinculada a despesas. IOF à parte, o próprio crescimento da arrecadação repôs os estimados R$30 bilhões anuais da CPMF. Ou seja, a Saúde, a rigor, não perdeu recursos.

Embora esse seja o melhor dos mundos para as autoridades fazendárias federais, o saudosismo em relação à CPMF persiste. E sempre com uma repetitiva catilinária: "O sistema público de saúde está depauperado e somente sobreviverá se assegurar uma fonte exclusiva de financiamento." Curiosamente, esse discurso é compartilhado por importantes líderes da oposição, de forma que o risco de o tributo-fantasma chegar à sua terceira encarnação é muito grande.

O governador Sérgio Cabral acaba de se engajar nessa campanha, afirmando que o fim da CPMF foi uma "covardia". Contra quem? Ora, se os governantes estivessem de fato tão preocupados em qualificar o sistema público de saúde, fariam o possível e o impossível para pôr em prática instrumentos de gestão capazes de torná-lo mais eficaz e produtivo. No entanto, essas iniciativas ficam pelo meio do caminho ou são abandonadas ao primeiro sinal de resistência corporativa por parte dos grupos que no fundo não desejam qualquer mudança na atual estrutura (seja por visão ideológica bisonha quanto ao papel do Estado, seja por interesses políticos e/ou pessoais).

O Estado do Rio de Janeiro sequer destina à saúde o percentual de gastos que se almeja para o setor. Em vez de 12%, desembolsa 10,75%. E não está desacompanhado. Minas Gerais não passa de 8,85%, o Paraná fica em 9,84% e o Rio Grande de Sul em apenas 4,37%, para citar alguns estados. Quase que diariamente a imprensa em todo o Brasil traz à tona casos de desperdícios, má gestão, irracionalidade ou malversação de recursos na área de saúde. Tributar ainda mais o contribuinte para esse buraco sem fundo é que pode ser classificado como covardia contra o cidadão.

O Congresso está prestes a votar a regulamentação da emenda 29, pela qual deverão ser fixados novos pisos de gastos para a Saúde e definidas de forma mais precisa as despesas. Embora líderes partidários digam não cogitar de recriar a CPMF em decorrência dessa regulamentação, todo cuidado é pouco. A CPMF, infelizmente, permaneceu como um fantasma vagando pelo sistema tributário. Deveria ter sido devidamente exorcizado.