Título: Justiça sob intervenção
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 08/09/2011, O Mundo, p. 26

Oposição quer derrubar estado de exceção no Judiciário decretado por Correa no Equador

Em janeiro passado, quando anunciou a intenção de implementar profundas reformas no Judiciário, o presidente do Equador, Rafael Correa, assegurou que pretendia "colocar as mãos (no sistema judicial) para melhorar tribunais com os quais ninguém pode estar satisfeito". Correa venceu uma consulta popular em maio e cumpriu à risca sua promessa: na segunda-feira, o presidente decretou estado de exceção no Judiciário por 60 dias, prorrogáveis por mais 30. O governo equatoriano alega que a medida permitirá agilizar o processo de reestruturação da Justiça, hoje totalmente em colapso - estima-se que 1,2 milhão de julgamentos estão pendentes. Já a oposição, que ontem apresentou um projeto para derrubar o decreto de Correa no Congresso, acusou o Palácio Carondelet de violar a Constituição e, principalmente, a independência dos Poderes.

Na visão de congressistas da bancada opositora e de importantes analistas políticos do país, o verdadeiro objetivo de Correa é ampliar a concentração de poder em suas mãos e construir um Judiciário plenamente identificado com seu projeto de governo. Nos últimos anos, centenas de juízes foram afastados por denúncias de mau desempenho de suas funções e até de casos de corrupção. Com este pano de fundo, a Justiça equatoriana tem pela frente um importante processo de recomposição que se transformou numa nova disputa entre o presidente e seus adversários.

- Temos a sensação de que Correa está liderando um processo revolucionário, e não de aprofundamento da democracia - opina Simón Pachano, coordenador de Estudos Políticos da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).

Conselho promete transparência

Segundo ele, o decreto de Correa é inconstitucional porque o estado de exceção só pode ser declarado em momentos de comoção interna e em partes específicas do território nacional - e não num Estado funcional e em todo o país.

Após o triunfo de maio passado, foi criado um Conselho da Magistratura Transitório (CJT, na sigla em espanhol), comandado por Paulo Rodríguez, funcionário que desde o início de sua gestão mostrou-se em sintonia com o Executivo. A entidade é a encarregada de administrar as reformas na Justiça, que incluem nomeações de novos magistrados, modernização de sistemas e infraestrutura, entre outras iniciativas. Rodríguez não só defendeu o decreto de Correa como foi um dos primeiros a assegurar que o estado de exceção é necessário para acelerar os tempos da reforma.

- Tudo será feito de forma transparente. A única coisa que este decreto permite é acelerar partes do processo - declarou Rodríguez.

O presidente do CJT insiste em acusar a Justiça equatoriana de estar desorganizada e carente de uma rápida reestruturação. A argumentação do funcionário, no entanto, não convenceu a oposição, que exige sua presença na Assembleia Nacional para explicar os motivos de ter solicitado o estado de exceção. Alguns opositores pensam até na possibilidade de propor o impeachment de Rodríguez.

- O decreto de Correa diz claramente que, durante o período de exceção, ministros do Executivo poderão intervir em ações do Judiciário - ressaltou o cientista político Pachano.

O decreto ainda deverá ser analisado pela Corte Constitucional, mas a oposição não tem grandes esperanças - uma vez que os nove integrantes do tribunal são considerados aliados do presidente.

Correa tem maioria no Congresso

Durante o estado de exceção, o CJT poderá, por exemplo, realizar contratações públicas sem licitações prévias. Também será possível modificar o destino de juízes federais e de outros servidores do Judiciário, que, segundo explicou o jurista Milton Castillo, "perderão o direito à estabilidade trabalhista".

- Com este decreto, o governo poderá favorecer juízes aliados - resumiu Castillo.

Para o jurista equatoriano, o problema do decreto é que a medida enfraquece a democracia e a qualidade das instituições nacionais.

- O artigo 167 de nossa Constituição afirma que a Justiça deve ser independente - lembrou.

A oposição tentará impedir a nova ofensiva de Correa no Congresso, mas não será fácil, já que o partido Aliança País, liderado pelo presidente, tem a bancada majoritária. O projeto apresentado ontem solicita a abertura de uma investigação para determinar se o decreto presidencial "representa uma intervenção do Executivo no Judiciário e a violação de direitos fundamentais dos cidadãos". Para ser aprovada, a iniciativa precisa de 63 votos favoráveis, de um total de 124 cadeiras do Parlamento. Os opositores de Correa concordam na necessidade de reformar o Judiciário, mas rechaçam um processo que, segundo eles, representa "apenas uma mudança de amos e donos da Justiça".