Título: Em Minas, veredicto de culpado não dá cadeia
Autor: Otavio, Chico; Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 06/09/2011, O País, p. 3

Grande intervalo de tempo entre crimes e seus julgamentos faz com que penas prescrevam

BELO HORIZONTE. Quando desconfiou que sua ex-mulher estava tendo um caso com o porteiro do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, onde o filho era levado para consultas pediátricas, o motorista Raimundo Loredo dos Santos não pensou duas vezes: contratou duas pessoas e, com elas, planejou a morte do rapaz.

Renato dos Reis Moreira chegou a conhecer o marido da moça, mas dizia não se preocupar com seus sinais de agressividade porque não tinha nada além de uma boa amizade com ela. Quando largou o expediente, numa tarde de fevereiro de 1996, levou um tiro na nuca ao se aproximar do ponto de ônibus. Segundo os médicos, sobreviveu por pura sorte.

Não foi difícil para a polícia chegar à autoria do crime. Decidiu-se que Raimundo seria submetido a júri popular quatro anos depois. Os advogados recorreram; o júri confirmou a condenação; um novo recurso protelou a sentença definitiva, e o processo ficou esquecido nas escrivaninhas da Justiça mineira. A sentença final saiu apenas em 2010: finalmente Raimundo poderia ser preso, condenado a três anos e quatro meses de prisão, por ser o mandante do crime.

Processo de 14 anos é arquivado no dia da condenação do réu

Mas, no mesmo dia em que se decidiu por sua prisão, o processo foi arquivado. Isso porque se passaram mais de oito anos entre o fato e a condenação. Nesses casos, penas de até quatro anos de prisão são prescritas. O processo virou pó.

O mesmo ocorreu com o processo contra Sebastião Alves Miranda, o Caxangá, que tinha 29 anos quando deu tiros na barriga e na perna do comerciante Marcelo Costa Barreiro, então com 41 anos. Dono de um bar, Barreiro tinha chamado a polícia porque Caxangá ameaçava a clientela com uma faca que levava na cintura. Quando teve sua arma apreendida pelos militares, o rapaz prometeu vingança contra o dono do bar. E cumpriu. De acordo com a polícia, Barreiro só não morreu porque se escondeu atrás de uma mesa de ferro.

Caxangá nunca apareceu para depor. A Justiça mineira decretou sua prisão. Passaram-se quase 20 anos, ele nunca foi procurado. Foi sentenciado a júri popular, mesmo sem comparecer ao Fórum, mas isso não fez qualquer diferença. Sem resposta da polícia ou da Justiça, o Ministério Público sugeriu a extinção da punibilidade do réu. A Justiça aceitou o pedido. Caxangá está livre para fazer o que bem entender. Nunca foi preso, nem respondeu ou responderá pelo crime que cometeu.

- Pedimos arquivamento de processos muito antigos para desafogar o Tribunal do Júri, não tem jeito. Mas não tem decisão precipitada, são casos em que já há um lapso temporal entre o fato e a audiência, casos em que faltam provas, ou até mesmo em que o réu já morreu - argumenta o promotor do II Tribunal do Juri de Belo Horizonte, Francisco Santiago.

Em BH, o trâmite médio de um processo criminal é de três anos

De fato, estudo da pesquisadora Klarissa Almeida Silva, a partir de uma amostragem de 245 denúncias de homicídio ocorridas entre 2003 e 2005 na capital mineira, mostra que nove entre dez réus que foram a júri popular até quatro anos depois foram condenados. Em 2009, um terço já estava inclusive cumprindo pena. Para a especialista, o índice de Belo Horizonte é satisfatório se comparado a cidades como o Rio, São Paulo e Recife, onde outros pesquisadores constataram percentuais de condenação inferiores a 15% no júri.

De acordo com o levantamento da pesquisadora, o trâmite médio de um processo criminal, entre a ocorrência do fato e a primeira condenação, é de cerca de de três anos em Belo Horizonte. Os resultados não são muito diferentes dos registrados no início da década pela equipe de Eduardo Batitucci, pesquisador da Fundação João Pinheiro, que registrou uma média de dois anos e meio de duração do fluxo criminal no início dos anos 2000, em Belo Horizonte e Ipatinga.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de abril a julho deste ano, o Ministério Público mineiro analisou 1.154 processos de homicídio. Na maioria, houve pedidos de novas diligências policiais (826). No período, foram 140 pedidos de arquivamento e 188 denúncias apresentadas.