Título: Arrecadação despenca ...
Autor: Marins, Victor; Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 21/08/2009, Economia, p. 12

Receita com impostos cai 7,39% no ano. Técnicos atribuem resultado à sonegação. Investimentos e superávit primário serão sacrificados. Raimundo Eloi Carvalho se nega a falar sobre o impacto da crise da Receita na cobrança de tributos.

Apesar da retomada da economia, a arrecadação de impostos e contribuições federais continua em queda.Em julho, somou R$ 58,6 milhões, valor 9,38% inferior ao de igual mês do ano passado. Trata-se da nona queda consecutiva das receitas. No acumulado do ano, a arrecadação despencou 7,39%, quando descontada a inflação do período. Os números mostram a fragilidade dos sistemas de controle da Secretaria da Receita Federal, problemas agravados com a crise na qual mergulhou o órgão depois da saída de Lina Maria Vieira de seu comando. Com as receitas em queda, o governo terá maior dificuldade para tocar investimentos e para cumprir a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida), de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

Segundo o Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal (Sindireceita), a queda na arrecadação foi motivada por problemas de fiscalização, que têm facilitado a sonegação, e nos procedimentos de cobrança e análise de processos. A entidade destacou ainda que o Fisco precisa deixar o caráter político pelo qual vem se pautando e voltar ao técnico. ¿Temos denunciado a falta de um plano de ação sério e consistente. As mudanças devem ser rápidas. O resultado da arrecadação do mês de julho mostra que não podemos perder mais tempo¿, alertou o presidente do Sindireceita, Paulo Antenor de Oliveira.

Ele afirmou que o novo secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, precisa tomar medidas urgentes, como a análise mais rápida dos cerca de R$ 430 bilhões em processos fiscais e agilizar o recebimento de R$ 100 bilhões disponíveis para cobrança. ¿Se a Receita não tomar essas medidas imediatamente, a arrecadação não se recuperará até outubro¿, frisou Antenor.

Indagado pelo Correio se a crise no órgão teria impactado a arrecadação, sobretudo na área previdenciária, em que a fiscalização estaria menos eficiente, o coordenador de Previsão e Análise da Receita, Raimundo Eloi Carvalho, se esquivou. ¿Não há problema de fiscalização e não vou falar de crise. Só de números¿, disse. Mas, na avaliação de um técnico experiente do governo, os números estariam maquiados. As receitas previdenciárias só cresceram nos sete primeiros meses do ano apoiadas em R$ 695 milhões de depósitos judiciais entre abril e maio, período considerado atípico pela Receita para essa quantidade de valores. Outro item a puxar a arrecadação da Previdência Socia foi a melhora da massa salarial real, que, de dezembro a julho, cresceu 8,26%.

Efeito colateral

Com a diminuição das receitas, dois efeitos colaterais passam a afligir o Brasil: o primeiro está na redução da capacidade de investimentos do país; o segundo, na diminuição do superávit primário, que deve ficar abaixo da meta de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Como o governo tem ampliado demais os gastos fixos, especialmente com salários de servidores e de benefícios da Previdência Social, está sendo obrigado a se sacrificar os investimentos. ¿Se o ciclo econômico desacelera, a arrecadação também diminui, mas os gastos não. Isso limita a atuação do governo, principalmente em investimentos¿, avaliou o economista Cristiano Souza, do Banco Santander.

Além da capacidade de investimentos, o superávit primário também precisará ser reduzido para que o governo possa bancar as despesas fixas. ¿Mesmo sem usar o Programa Piloto de Investimento (PPI), de 0,5% do PIB, o superávit já está abaixo da meta. Acreditamos que o indicador ficará entre 1,5% e 2%¿, afirmou Souza. ¿O governo está gastando demais, o que torna natural um saldo primário menor. Ele se comprometeu muito. O ideal seria mais investimentos e menos gastos correntes¿, disse o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu Freitas. ¿Essas são as únicas variáveis que o governo tem para ajustar, se quiser equilibrar as contas. Como tem de pagar salário de servidor e benefícios, sobrou para os investimentos e para o superávit¿, resumiu o economista do Santander.

E EU COM ISSO O governo usa a arrecadação de impostos e contribuições para bancar todas as despesas. Com a diminuição do volume de dinheiro em caixa, investimentos em hospitais, escolas, segurança, redes de esgoto ou asfalto ficam em segundo plano. O governo está comprometido com o pagamento de salários de servidores e pagamentos de benefícios da Previdência Social e do Bolsa Família, gastos que vêm crescendo nos últimos anos e dos quais não há como escapar. Se o governo não aplica recursos nas áreas sociais e em infraestrutura (rodovias, portos e aeroportos, por exemplo), afasta os investidores privados, que deixam de fazer fábricas ou empreendimentos porque não há como escoar a produção. Ou seja, deixam de ser criados empregos. Assim, a quantidade de pessoas sem rendimentos aumenta e as empresas que já existem ficam sem clientes. (VM)

...E a dívida cresce R$ 85 bi

O aumento do endividamento público para custear os crescentes gastos da máquina fez o Brasil retroagir na condução da política econômica. Diferentemente do ano passado, quando, de janeiro a julho, o governo reduziu o estoque da dívida interna em R$ 20 bilhões, no mesmo período deste ano, para compensar a queda na arrecadação, o endividamento ficou R$ 85 bilhões maior. ¿Quando se aumenta o gasto público, mas não a produtividade, o governo é obrigado a compensar isso de alguma forma. Entretanto, ao emitir mais dívida, o Tesouro (Nacional) põe em risco o processo de queda dos juros (básicos). É o prêmio que ele tem que pagar para que os investidores continuem apostando num país endividado¿, ressaltou Andrew Storfer, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac).

Mais de dois terços dos títulos da dívida emitidos entre janeiro e julho, R$ 64 bilhões, foram parar nos cofres do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com isso, a instituição pôde atender ao pleito do governo para financiar a Petrobras, que perdeu parte das linhas de crédito que tinha no mercado internacional por causa da crise que varreu o mundo. Em julho, especificamente, o endividamento interno mobiliário (papéis em poder do mercado) deu um salto de R$ 28 bilhões, dos quais R$ 25 bilhões passaram do caixa do BNDES para a petrolífera. ¿Temos permissão para emitir até R$ 100 bilhões em títulos para repassar ao BNDES¿, disse o coordenador-geral de Operações da Dívida Pública, Fernando Garrido.

Na avaliação de Garrido, o aumento da dívida neste ano não preocupa, pois está dentro das projeções do Tesouro. Ele ressaltou que o custo médio acumulado da dívida pública federal (interna e externa) nos 12 meses terminados em julho foi de 13,48%, taxa 0,59 ponto percentual menor que a registrada em junho. ¿É uma queda que se explica pelo recuo da taxa Selic e da inflação medida peloIPCA e pelo IGP-M¿, afirmou. Quando comparado com o mês de dezembro, o custo médio da dívida retraiu-se 2,43 pontos percentuais, o que corresponde a menos da metade da queda da Selic) em igual período, de cinco pontos percentuais.

Medo da insolvência

Em economias de países emergentes, a remuneração da dívida tende a acompanhar o juro básico, indicando que o Brasil é um país sobre o qual ainda paira a desconfiança. ¿A dívida pública cresceu muito em razão dos juros altos¿, refletiu o advogado Heleno Torres, professor de direito tributário da Universidade de São Paulo (USP). Ele explicou que, em economias mais desenvolvidas, as taxas de remuneração da dívida variam entre 1% e 3% ao ano. ¿Ao endividar-se demais, um país tende a comprometer suas gerações futuras. E, por isso, o risco de descambar de vez¿, avalia Andrew Storfer, da Anefac. (DB)