Título: Reforma geral no Dnit e na Valec
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 10/09/2011, O País, p. 3

Depois de a CGU apontar "práticas caóticas", ministro admite que fiscalização era "deficiente"

PAULO SÉRGIO Passos, ministro dos Transportes, diz que as mudanças na pasta vão reduzir a possibilidade de conluio. Auditoria da CGU mostra que o Dnit paga irregularmente transporte e escavação em trecho superfaturado da BR-101, em Pernambuco

roberto.maltchik@bsb.oglobo.com.br

Quando o assunto é a gestão de projeto de engenharia, o Departamento Nacional de Infraestrutura dos Transportes (Dnit) é o que há de pior no mercado. Segundo escala internacional usada pela Controladoria Geral da União (CGU), o Dnit adota "práticas caóticas". "Processos imprevisíveis, reativos e pobremente controlados". O diagnóstico feito em relatório da CGU é tão conhecido pelo governo que, segundo o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, não surpreende. Ainda assim, só ontem, depois da auditoria da CGU, o ministro anunciou uma reforma geral no Dnit e na Valec, a responsável pelas ferrovias.

As mudanças começam pelos projetos e pelas licitações, anunciou o ministro. Os novos editais deverão frear restrições técnicas que limitam o número de concorrentes. E, antes que se declare um vencedor do certame, será medida a capacidade da empresa para cumprir o contrato.

- Ainda haverá a possibilidade de conluio? Sim, mas ela será substancialmente reduzida e é isso que nos interessa. Reduzindo-se essa possibilidade, poderemos ter as expectativas de preços melhores - explicou o ministro.

Auditorias serão sem aviso prévio

No canteiro de obras, as auditorias ocorrerão sem aviso prévio. E o desenvolvimento de projetos não ocorrerá em Brasília, mas no local onde a obra é feita. Assim, Paulo Sérgio Passos espera que não se repitam casos como o da BR-101/NE, onde um trecho em Pernambuco foi projetado sobre um açude com margens de barro. Segundo o diretor-geral do Dnit, general José Ernesto Fraxo, valores, prazos e escopo dos projetos serão determinados com rigor.

O ministro admitiu que a fiscalização era "deficiente" e tentou justificar os motivos pelos quais a reforma não ocorreu antes, mesmo com tantos alertas emitidos pelos órgãos de controle nos últimos anos. Segundo ele, o problema é que as advertências paravam no Dnit, cuja direção foi inteiramente trocada.

- (Os alertas) foram dados ao Dnit, o órgão responsável pela execução das obras. E nós estamos querendo corrigir essa distorção. Estamos reconhecendo que existem problemas e vamos caminhar na superação dessas fragilidades - afirmou Passos.

Apesar das inúmeras irregularidades apuradas pelo governo, com prejuízo potencial de R$682 milhões em apenas 17 contratos e licitações, o novo diretor-geral do Dnit afirmou que é errado e perigoso afirmar que a corrupção é generalizada na autarquia.

- Está se criando no imaginário coletivo dos senhores que as obras todas têm problema de corrupção. E o aditivo virou o demônio nacional. Cuidado com o imaginário de vocês de que tudo que é obra tem corrupção, cuidado com isso aí - recomendou Fraxo, que anunciou uma "operação de guerra" de técnicos para tirar da prateleira projetos parados ou editais de licitação que ficaram congelados para análise de suspeitas de irregularidades.

De toda forma, o ministro já antecipou que a Corregedoria da União, braço da CGU, terá que investigar inúmeros servidores. E advertiu que prestadores de serviço dos Transportes também deverão ser responsabilizados pelas irregularidades na pasta.

- Se comprovada a culpa dos servidores, que eles sejam responsabilizados. Mas não somente os servidores. Se do ponto de vista dos prestadores de serviço restarem provadas práticas ilegais, eles também devem responder por isso - garantiu o ministro dos Transportes.

Na Valec, que trabalha sobre três grandes obras - a Ferrovia Norte-Sul, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste e a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste -, a promessa é revisar os projetos "de ponta a ponta". E o governo não descarta repactuar contratos já assinados.

O ministro ainda disse que as medidas saneadoras incluem a reestruturação das "rotinas" e dos sistemas de informação da Valec e do Dnit. Em julho, O GLOBO revelou a existência de mais de 150 sistemas de informação que não conversam entre si, na sede e nas superintendências regionais do Departamento de Obras Rodoviárias. Também foi anunciada a convocação de cem engenheiros já concursados, com a possibilidade de novas contratações. O governo não deu prazo para essas mudanças.

O ministro Jorge Hage, da CGU, também foi a público ontem para repudiar, de forma indireta, nota do ex-ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, que, na quinta-feira, afirmou que a auditoria "não esclareceu o suposto envolvimento de integrantes da equipe que liderou em sua última gestão na alegada prática de irregularidades no âmbito do Ministério dos Transportes".

Sem citar Nascimento, Hage afirmou que a auditoria não serve a responsabilizações individualizadas e questionou:

"Se apontássemos responsáveis antes de ouvir um por um, em processos disciplinares específicos, essas mesmas pessoas iriam gritar, e aí com razão."