Título: Tradição e modernidade na hora de alfabetizar
Autor: Benevides, Carolina; Ribeiro, Marcelle
Fonte: O Globo, 19/09/2011, O País, p. 4

Educadores, pais e professores do ensino fundamental debatem o uso de lápis e papel e de computadores nas escolas

RIO e SÃO PAULO. Os alunos que são alfabetizados na escola Pueri Domus, em São Paulo, aprendem ao mesmo tempo a escrever com letra cursiva e a digitar textos no computador. Sinal de um tempo em que a tecnologia cada vez mais ocupa espaço no cotidiano. No entanto, para especialistas em educação infantil, não há diferença em ser alfabetizado por meio do computador ou usando papel e lápis. O principal é que pais, alunos, professores e gestores entendam que "saber as letras e separar sílabas não significa que a criança está alfabetizada, que a criança se comunique":

- Escrever é criar um texto que possa ser entendido por outros. A criança tem que aprender a interpretar textos e a escrever de modo claro. Tanto faz o instrumento para isso. O problema não é usar o teclado ou lápis, não é o método de alfabetização. O importante é que ela possa produzir sentido por meio da palavra escrita - diz Maria do Rosário, professora da Unesp e presidente da comissão provisória que cria a Sociedade Brasileira de Alfabetização.

Responsável pela orientação pedagógica do ensino infantil e 1º ano do ensino fundamental do Colégio Teresiano, no Rio, Maria José de Mesquita Serra concorda que "a verdadeira diferença é aprender a ler e escrever bem e não a forma como isso acontece (com papel e lápis ou no computador)":

- O uso do teclado para escrita desenvolve habilidades que o uso do lápis e papel não desenvolve. Da mesma forma, o ato de traçar letras sobre uma superfície requer uma destreza manual diferente da que é desenvolvida com o ato de digitar em um teclado. As duas coisas são importantes. Excluir qualquer uma implica menos oportunidades de aprendizagens. Mas tenho claro que discutir alfabetização é muito mais amplo do que falar sobre métodos.

Quando o assunto é método, há quem prefira que a criança aprenda com letra cursiva e quem aposte na letra palito.

- No Brasil, não temos determinação de qual método utilizar. A escola tem autonomia. A letra cursiva dá prioridade à palavra. A letra palito prioriza as letras, para depois juntar as sílabas e formar a palavra. Discute-se há anos qual o melhor método e não se chegou a uma conclusão. Tem quem acredite que a criança constrói conceito de significado a partir da vivência da palavra - diz Vital Didonet, especialista em educação infantil. - O importante é ter clareza de que crianças têm uma capacidade de aprendizado extraordinária.

Computador, sim, com ressalvas

Nas escolas de São Paulo, a secretaria municipal orienta que as crianças aprendam primeiro a letra de fôrma, que permite que elas se concentrem em entender os nomes e sons das letras. No ano seguinte, o 2º do ensino fundamental, começam a aprender a letra cursiva.

Mãe de Pedro Medeiros, de 6 anos, aluno do 1º ano do ensino fundamental de uma escola em Niterói, no Rio, Janaína acompanha de perto a alfabetização do filho, mas não se preocupou com o método com que ele aprenderia a escrever:

- Eu não gostaria que ele aprendesse a escrever usando apenas o computador, mas não me importo que seja com letra cursiva ou de fôrma. Ele vai ter a vida toda para usar computador, quero que aprenda a escrever corretamente, que não cresça mandando e-mail com erros de português e diga que esbarrou em tal tecla ou estava sem acento. Errar por e-mail dá margem para essa desculpa.

No Colégio Santo Américo, em São Paulo, as aulas combinam técnicas tradicionais e modernas na hora de alfabetizar os alunos. Eles usam cadernos de caligrafia, mas também lousas digitais, que permitem à criança entender mais facilmente o caminho que o lápis precisa percorrer para formar as letras.

- Usamos um caderno de caligrafia colorido e moderno, e, quando a criança começa de fato o treino, fica 15 dias só aprendendo caligrafia nas aulas de português. Cada aluno tem uma hora e meia por dia de treino motor - explica Fernanda Brant de Carvalho Mantelli, professora do 2º ano do Santo Américo.

Para Christina Sabadell, diretora-geral da Pueri Domus, o uso da tecnologia é bem-vindo, mas não se pode falar no fim de papel e lápis:

- Essa geração ainda usa papel e lápis. Então, falar em erradicar o trabalho motor de letra cursiva é muito extremista. Enquanto a gente tiver uma sociedade que necessita da escrita no papel, a gente não pode negar essa atividade às crianças.